E Deus disse “façam-se os bits” e assim surgiu a Eletrônica Digital! – Parte II
Nesta segunda “aula” de introdução a Eletrônica Digital vamos ver como esta “coisa” teórica de números binários, bits e bytes vai “virar” circuito eletrônico.
Vamos começar com duas imagens simples, pois, como dizem os chineses, “valem mais que mil palavras”e mostram a diferença entre um sinal analógico e um digital.
O que deve ficar bem entendido destas imagens é que o sinal digital não varia “suavemente” (em matemática se diz “continuamente”) como o analógico e sim “aos saltos” provocando uma descontinuidade quando passa de um nível para outro.
Precisamos introduzir mais duas “coisinhas” para que este assunto de Eletrônica Digital fique bem entendido: a lógica e a álgebra de Boole (leia-se bule, que não é o de fazer café!).
Não se desespere. Não vai doer nada, eu prometo!
Tudo começou na Grécia no século IV AC
De uma maneira bem superficial podemos dizer que lógica é uma representação metódica do raciocínio, por isso costuma ser chamada de raciocínio lógico (coisa que muita gente não tem nenhum dos dois).
Aliás, todas as matemáticas se apoiam na lógica que, a meu ver, deveria fazer parte da grade escolar desde os primeiros anos e certamente tornaria a compreensão da matemática bem mais “humana”.
Atribui-se as primeiras manifestações do pensamento lógico ao filósofo grego Aristóteles lá pelo século IV AC (eu ainda não era nascido!).
O primeiro principio da lógica aristotélica é admitir que só existem duas possibilidades: falso ou verdadeiro (pensando bem, não existe meia verdade, nem uma mentirinha).
Então podemos associar este princípio aos números binários dizendo, por exemplo, que verdadeiro vale 1 e falso vale 0. Poderia ser ao contrário, por que não? Mera questão de convenção.
O segundo princípio é admitir que tudo pode ser expresso por prOposições (não confunda com prEposições que é outra coisa).
Uma proposição pode ser simples como, por exemplo, João é brasileiro, João gosta de futebol ou composta, João é brasileiro E gosta de futebol.
A álgebra de Boole
Entre 1815 e 1864 (eu também ainda não era nascido) existiu na Inglaterra um matemático chamado George Simon Boole que criou uma linguagem simbólica a partir dos princípios da lógica de Aristóteles. Esta “linguagem simbólica” criada por Boole ficou conhecida como Álgebra de Boole.
Podemos juntar a lógica aristotélica, a álgebra de Boole e a eletrônica (que ainda não existia) na seguinte tabela:
Aristóteles, Boole, bits, eletrônica: tudo junto e misturado.
Galileu Galillei (um dos meus “ídolos” da ciência) dizia: “a matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o Universo”.
É uma pena que alguns professores de matemática não percebam isto e pensem que “ensinar” matemática seja apenas mostrar coisas sem conexão com a Natureza e com isto desencorajem muita gente a entendê-la e amá-la.
Mas, voltando ao nosso tema central, que é a Eletrônica Digital, espero que você esteja percebendo como as coisas são simples e se entrelaçam. Vamos então dar mais um passo.
O circuito abaixo, certamente, é familiar a qualquer pessoa envolvida com eletrônica, seja um estudante ou um veterano e, portanto creio dispensar explicações de seu funcionamento.
Vejamos como podemos associá-lo a esta ideia da Eletrônica Digital.
Quando cada uma das oito chaves é fechada/ligada (on) o led corresponde acende e neste caso atribuiremos o bit 1 a ele. Por outro lado se a chave estiver aberta/desligada (off) o led correspondente ficará apagado ao qual atribuímos o bit 0.
Repare que neste exemplo temos 8 bits ou 1 byte.
Vamos imaginar que as chaves S1, S2 e S6 estão fechadas enquanto S3, S4, S5, S7 e S8 estão abertas o que fará com que os leds fiquem acessos como na figura abaixo.
Pela nossa convenção em que 1 = on e 0 = off esta sequência de leds acesos e apagados corresponde ao binário 1 1 0 0 0 1 0 0.
Agora vamos representar a tensão sobre cada led pela forma de onda abaixo.
Chamaremos a tensão que faz o led acender de nível alto (high) e para o led apagado será nível baixo (low).
Então uma outra forma de dizer poder ser: bit 1 = High (H) e bit 0 = Low (L).
Nossa forma de onda sobre os leds pode ser representada também pelo binário 1 1 0 0 0 1 0 0.
Se você está achando estranho utilizar este monte de chaves para simular um circuito digital, fique sabendo que tudo começou assim e estas chaves, na verdade, eram feitas com relés.
Dá para imaginar o barulhão que um circuito destes fazia e da quantidade de energia que consumia.
Com a chegada dos transistores bipolares os relés puderam ser substituídos por eles.
O transistor como chave lógica
Diferentemente das válvulas, que só podiam operar como amplificadoras, os transistores podem funcionar também como chaves e assim, vai ficar fácil conseguir os tais 1s e 0s da Eletrônica Digital.
Dependendo da polarização da base o transistor pode parar de conduzir, ou seja, apresentar corrente de coletor nula e neste caso diz-se que o transistor está cortado ou então a corrente de coletor poderá atingir o maior valor permitido e o transistor é dito saturado.
Quando o transistor está saturado a tensão entre coletor e emissor fica praticamente nula ou na linguagem da Eletrônica Digital “em nível baixo=low” o que corresponde ao bit 0.
Mas, se o transistor estiver cortado como não teremos corrente de coletor não haverá queda de tensão no resistor de coletor e praticamente toda a tensão da fonte aparecerá entre coletor e emissor o que para Eletrônica Digital significa “nível alto=high” ou bit 1.
Quando o transistor opera numa destas duas condições ele é dito funcionar como chave lógica oferecendo no coletor uma tensão próxima de 0 volt (transistor saturado, nível lógico baixo) ou aproximadamente igual ao valor da fonte de alimentação (transistor cortado, nível lógico alto).
E assim estamos conseguindo juntar os números binários que formam a base matemática da Eletrônica Digital com os transistores transformando teoria em prática.
Pra quem é devoto de São Tomé: Ver para Crer
Nas duas fotos a seguir você pode comprovar (e até testar se quiser) o que foi dito acima. Nelas temos um transistor BD135 com uma lâmpada de lanterna ligada entre o coletor e o Vcc que neste caso é 5V.
Na foto da esquerda temos o transistor cortado (base ligada à terra), por isso a lâmpada está apagada e a tensão no coletor é igual a tensão da fonte.
Na foto da direita temos o transistor saturado (resistor de 47kohm entre base e Vcc) mostrando a lâmpada acesa e a tensão no coletor igual a 0,228V (quase zero).
Transistor saturado
E álgebra de Boole, onde entra?
Quando usamos o transistor como chave ele se comporta da seguinte maneira:
– quando aplicamos 1 na entrada (base) obtemos 0 na saída (coletor)
– quando aplicamos 0 na entrada (base) obtemos 1 na saída (coletor).
Na álgebra de Boole isto é chamado de “porta inversora” ou NOT e simbolizada nos circuitos da seguinte maneira.
Por enquanto ficamos por aqui. No próximo post (parte III) trabalharemos com mais detalhes a álgebra de Boole apresentando todas as portas lógicas importantes e sobre as quais, praticamente, toda a Eletrônica Digital repousa.
Até sempre.
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