Reparando um multímetro digital ICEL MD-1200
Estava eu voltando para casa à noite nessa sexta-feira, 15 de agosto (ainda bem que não era 13), quando me deparei com um multímetro digital ICEL MD-1200 exposto entre outras quinquilharias do “shopping chão” por onde costumo passar.
Misturado com borracha usada de panela de pressão, mouse serial, disquetes de computador, vídeo game TecToy, etc, etc, lá estava um moderno ICEL MD-1200 no meio daqueles “dinossauros”.
O olhar de um técnico, como eu, tem um radar sempre ligado para detectar certos tipos de “OVNIs” como estes.
Peguei o instrumento e vi que estava em bom estado físico embora o display não acendesse (provavelmente estaria sem pilhas ou bateria) e faltavam as ponteiras de prova o que poderia indicar que provavelmente não havia sido roubado.
Essa turma do “shopping chão” fica revirando, de madrugada, o lixo rico das nossas cidades à cata do que encontrar para colocar nas suas “lojinhas” e arranjar uma “graninha” para conseguir almoçar no dia seguinte.
Consultei o preço ao “vendedor do shopping” que chutou: “dez real, dotô”!
Como “dez real?”, argumentei eu, se não está nem ligando?
Puxei uma nota de “5 real”, estrategicamente guardada no bolso para estas horas, e pechinchei: só tenho 5, vai?
Rapidamente os olhos do “vendedor” brilharam e a resposta veio rápida: só si fô agora! (afinal, diz o ditado, melhor um pássaro na mão que dois voando).
Um bom negócio ou um mau negócio?
Cheguei em casa ávido para colocar pilhas no multímetro e ver se o “investimento” de cinco reais tinha valido a pena ou teria sido o mesmo que perdê-los jogando na loto.
O primeiro round estava ganho: o display acendeu!
Coloquei as ponteiras e constatei que as escalas ôhmicas funcionavam, o que já era um bom sinal, na pior das hipóteses poderia ser usado como ohmímetro!
Ao tentar medir tensão numa tomada vi que a escala de 200V AC, veio a desilusão, não media nada, mas a de 750V media os 129V da minha rede corretamente.
A seguir tentei medir uma pilha na escala de 2V que também funcionou, mas a escala de 20V não indicou nada; em seguida constatei que a função hfe estava funcionando corretamente.
Estes testes preliminares indicavam que a “barbeirada” deveria ter ocorrido por algum técnico desatento ao tentar medir uma tensão na escala errada.
A conclusão até o momento era de que eu não havia perdido totalmente os “cinco real”.
Já era tarde e deixei o restante da verificação para o dia seguinte.
Abrindo o instrumento e procurando o defeito
Neste momento já era praticamente certo que o “chip“ não estava defeituoso uma vez que algumas medidas podiam ser realizadas.
O primeiro passo, em toda reparação, é a inspeção visual e neste caso, mais do que nunca, este seria o único meio a ser usado para tentar “salvar” os cinco reais, já que não se dispõe dos diagramas elétricos destes instrumentos.
Inicialmente, uma região me chamou imediatamente atenção, pois parecia estar chamuscada como se vê no círculo amarelo da figura abaixo.
Ao limpar a região com álcool isopropílico veio a frustração; era apenas um resíduo deixado pelo fluxo da solda. Mas eu não desisto assim tão facilmente. Afinal cinco reais são cinco reais!
Com o auxílio de uma lupa com luz pude perceber que um dos resistores, de um grupo de três (o R5-1), estava nitidamente com cara de que tinha sido “torturado” por uma corrente maior do que ele poderia suportar.
Veja o detalhe em vermelho na figura acima.
Entretanto, como diz o dito popular “alegria de pobre dura pouco” e neste caso a minha alegria estava se esvaindo (e os cinco reais também) porque eu não conseguia ver os números marcados no corpo do resistor.
No R5-2 dava para ler 4700 que neste caso corresponde a 470 ohms e no R-6, logo abaixo, apresentava os números 1000 que corresponde a 100 ohms. Faltava saber o que estava escrito no R5-1 que, tudo indicava, deveria ser a causa da falta de leitura em algumas escalas de tensão.
Com muito custo, consegui identificar que o primeiro dígito era quatro.
Retirei o resistor do circuito cuidadosamente para que ele não se desmilinguisse totalmente e pude medir cerca de 180 kohms o que indicava que estava alterado já que fosse qual fosse o valor teria que começar com quatro e não com um.
Tentativa e erro: o único jeito de tentar o reparo
Comecei colocando um resistor de 4k7 ohms para ver o aconteceria.
Coloquei os instrumento na escala de 20V DC e tentei medir 10V fornecidos por uma fonte.
Se antes não aparecia nenhuma leitura, agora podia se ler 8,6V.
Ao medir a rede elétrica na escala de 200V obtive 75V.
Estas duas leituras, embora não fossem as desejadas, mostravam que o caminho era esse; faltava só descobrir o valor correto para R5-1.
Troquei o resistor por outro de 47 kohms e aí a coisa piorou; só conseguir ler 10v na escala 1000V.
Resolvi radicalizar e passar para 47 ohms.
Ops! Na escala de 20V os 10V fornecidos pela minha fonte indicaram 9,5V.
Faltava agora apenas descobrir o valor correto que eu já sabia estar na casa dos quarenta e poucos ohms.
O melhor neste caso é apelar para um trimpot de 50 ohms e ir ajustando até chegar ao valor correto.
A conclusão final ficará para a semana que vem, pois não tinha a mão nenhum trimpot com este valor o que demandaria procurar nas minhas sucatas.
Entretanto, não há mais dúvida de que eu não perdi cinco reais e melhor ainda, evitei que este multímetro fosse mais um daqueles objetos descartados pela sociedade de consumo que vai parar no fundo de um rio e ajuda a aumentar a poluição do planeta.
Por outro lado, para o técnico “riquinho” das capitais que além do dinheiro no bolso tem a facilidade de comprar um novo instrumento em qualquer esquina, reparos como estes podem parecer perda de tempo.
Agora pensemos naqueles profissionais que atuam nos rincões de nosso imenso Brasil e que só conseguem comprar itens como este pedindo pelo correio, pagando caro e esperando dias ou semanas para receber a encomenda.
Nossa sociedade está que cada vez se enterrando mais ao aceitar passivamente a cultura do desperdício imposta pelo capitalismo e pela mídia que vende a falsa ideia de que consumo gera emprego.
Consumo exagerado só gera dinheiro para os especuladores das bolsas que não trabalham e vivem do lucro produzido pela miséria.
Até sempre!
PauloBrites
14 Comentários