Estabilizadores de tensão ou seletores de voltagem?
Estabilizadores de tensão ou seletores de voltagem?
Resolvi reescrever sobre a utilidade, ou melhor, a inutilidade dos “estabilizadores de tensão” porque estão sempre me perguntando sobre este assunto e tenho que ficar repetindo a mesma ladainha, assim daqui pra frente basta sugerir a leitura deste artigo aqui no site e estamos conversados.
Em primeiro lugar os chamados estabilizadores de tensão vendidos nas lojinhas de informática, supermercados e camelôs já começam errados pelo nome, porque na verdade eles são meros seletores de voltagem bem fajutos e não estabilizam coisa nenhuma.
O circuito da grande maioria de uma desgraça dessas não passa de um transformador ou, às vezes, pior ainda, um simples autotransformador com duas ou, no máximo, três derivações na saída.
Utilizam um chaveamento feito por relés e quando a tensão de entrada da rede sobe ou desce cerca de 5 a 10 volts (depende do gosto o projetista, até mesmo porque parece não haver consenso entre os órgãos públicos sobre a tolerância permissível) a tensão de saída é trazida de volta para o valor nominal que deveria ser 127 V ou 220 V. Veja a figura abaixo.
Ela foi obtida no excelente texto de Luiz André Faller, publicado no Clube do Hardware em 29/06/2009 cuja leitura eu recomendo para quem quiser se aprofundar mais no assunto.
Olhando a figura podemos concluir, sem nenhum esforço, que isso não é estabilizar, nem aqui nem na China e sim, tentar corrigir a variação de tensão na rede e ainda tem fabricante que perde tempo colocando um PIC para controlar o chaveamento do relé só pra dizer que o circuito é micro controlado e impressionar os incautos.
E para que serve isso uma “coisa” dessas?
A primeira opção poderia ser utilizar a “coisa” como peso de papel.
Serve também para produzir aquele irritante tec-tec que lembra uma máquina telegráfica; tecnicamente não serve para nada até por que a telegrafia está quase (não totalmente) em desuso na era dos e-mails, twitters, whatsApps e outras novidades das telecomunicações cibernéticas.
Se o mal fosse apenas o tec-tec poderíamos resolver o problema com um par de fones de ouvido na sua música predileta, o pior são as conseqüências funestas sobre as quais irei descrever ao longo desta matéria.
Alias, se eles fossem mesmo necessários teríamos que usá-los nos televisores, DVS e outras bugigangas eletrodomésticas, não é mesmo?
Uma pergunta: alguém utiliza estabilizador no notebook? Então por que temos que utilizá-lo no PC?
Você já parou para pensar nisto?
O estabilizador pode fazer mais mal do que bem
As fontes dos PCs, como as de qualquer equipamento eletrônico, têm, basicamente, em sua entrada um circuito retificador, que transforma a tensão alternada da concessionária de energia elétrica em uma onda pulsante, que será transformada num tensão constante chamada de tensão contínua que irá alimentar todo o circuito.
Mas, se o maldito “estabilizador” estiver se intrometendo na “conversa” entre a tomada e a fonte quando a rede variar entre 5 ou 10 volts (dependendo do modelo) para cima ou para baixo o que ele vai fazer é deixar a fonte sem receber energia durante o intervalo de tempo que um dos relés comuta para a tensão “correta”.
E se a rede ficar brincando de sobe e desce? (ah! Isso jamais acontece aqui no Brasil, nossas concessionárias são exemplos mundiais de confiabilidade e só perdem para os lugares onde não tem energia elétrica!).
Sabe o que isso parece?
Aquelas torneiras de banheiros públicos que você aperta para abrir e quando ainda estava lavando a mão a água acaba e aí você tem que apertar de novo. Se a mão estiver muito suja você vai ter que fazer isso umas quinhentas vezes!
E se a rede variar mais do que este valor pré-estabelecido,digamos 5 volts, por exemplo?
Bem aí o “estabilizador” não faz nada e a fonte que se vire! Então para que você gastou dinheiro com essa …coisa?
Pois é, o capacitor estava lá carregadinho da silva fornecendo a sua energia armazenada numa boa e, de repente ele se vê como um pintor do qual tiraram a escada e ele ficou pendurado no pincel. Aí ele grita “bota a escada aqui de nooooovo pelo amor de Deus” e quando está quase chegando ao segundo andar, com o coração a mil, já bem descarregado o relé fecha, a tensão chega outra vez, ele respira aliviado, e diz:- “ainda bem” e começa a se carregar outra vez!
Já pensou no estresse desse pobre capacitor.
Eu não queria estar lugar dele. Ia pedir “tirem este chato desse liga-desliga do meu caminho, por favor, eu não mereço isso”!
Ah! Mas é só um tempinho que o relé leva para abrir e fechar. É mesmo? Então vamos fazer umas continhas?
Se você olhar as especificações de um “estabilizador” verá que, geralmente, está escrito: – tempo de resposta menor ou igual a três ciclos.
Aqui cabe uma perguntinha básica:
– Quando você compra um “estabilizador” você presta a tensão nisso?
Essa eu respondo por você: – Claro que NÃO, nem sei o que é isso!
Pois bem, isso é uma forma tecnicamente correta, mas um tanto “marota” de dizer que o tempo de comutação do relé é de cerca de 50 milissegundos enquanto um ciclo em 60 Hz vale 16,6 milissegundos.
Barbaridade, Chê! O capacitor vai ter que esperar isso tudo para “colocarem a escada de novo”? Sabe quanto tempo ele leva para se espatifar no chão? Menos de 16 milissegundos!
Mas ainda tem outro probleminha, é que cada vez que o capacitor se carrega ele “puxa” um “correntão” da rede elétrica porque no momento inicial da carga ele se comporta como se fosse um curto circuito para o retificador.
Esse “correntão” que atende pelo pomposo nome de inrush current e costuma ser traduzido como corrente de partida está diretamente relacionado com valor da tensão que vai carregar o capacitor, bem como a capacitância do mesmo.
Esta corrente pode passar de 50A facilmente e é por isso que na entrada da fonte existe um componente chamado termistor ou NTC que é um resistor com coeficiente negativo de temperatura.
No caso das fontes de PC o NTC costuma apresentar uma resistência da ordem de 10ohms ou menos à temperatura ambiente e como está em série com a entrada irá “segurar” a corrente de carga do capacitor para que ele não “sofra tanto estresse”.
A corrente ao passar pelo NTC irá aquecê-lo e como ele tem coeficiente negativo a sua resistência diminuirá para cerca de 1 ohm ou menos o que não irá mais produzir nenhuma queda de tensão apreciável na tensão de entrada.
O NTC é uma pastilhinha, geralmente verde ou preta (ver figura), ligada próximo à entrada de alimentação da fonte. Uma vez aquecido ele demora um tempinho para esfriar e voltar a apresentar a resistência “alta” da temperatura ambiente.
E é aí que mora o perigo, se a rede ficar brincando de sobe e desce e o “estabilizador” ficar correndo “atrás dela” feito gato e rato, como o NTC ainda não esfriou e sua resistência está baixa ele não irá limitar adequadamente a corrente de carga no capacitor que também passa pelos diodos retificadores. Pobres diodos e capacitor, como sofrem!
Se o “estabilizador” for fraquinho ou sua Potência Aparente tiver sido mal escolhida pelo usuário, ele irá ficar “telegrafando” um bom tempo, pois não aguenta o tranco dessa corrente.
Aí chega um dia que ele se desilude totalmente da sua missão in glória e queima de uma vez. Isso se a fonte já não tiver sido acometida de um homicídio triplamente qualificado. Bem feito pra ele, quem manda ficarem enganado as pessoas impunemente!
Pensou que era só isso? Pois, vem mais encrenca por aí.
Voltemos aos nossos tempos de criança (ou de adulto que não teve infância) quando a gente ficava enchendo o saco dos outros com aqueles livrinhos ou baralhinhos que dão choque (vai dizer que nunca fez isso!).
Sabe como estes infernizadores da paciência alheia funcionam? A base teórica desses brinquedinhos “inofensivos” é um conceito da Eletricidade chamado Força Contra Eletro Motriz (FCEM).
Em poucas palavras, a FCEM diz que quando você interrompe abruptamente a corrente que estava passando em uma bobina irá aparecer nos seus terminais uma tensão que dependerá do número de espiras da bobina e da corrente que estava circulando nela no momento da interrupção. Opa! Se tiver muitas espiras na bobina essa tensão vai ser bem alta.
No “estabilizador” temos um transformador na entrada que é uma bobina e quando o relé interrompe momentaneamente a corrente no seu primário (entrada) aparece uma tensão no secundário (saída) MULTIPLICADA pela relação de espiras do transformador.
Você acabou de descobrir que o “estabilizador” pode funcionar como uma excelente máquina de eletrochoque “bidirecional”. Ele manda tensão alta para rede e não satisfeito também manda estes surtos de tensão para a fonte do PC.
Você deve estar chegando à conclusão que “estabilizador” é que nem simpatia, as pessoas dizem que funciona, mas não sabem por quê!
O mito do estabilizador remonta a um passado um tanto distante, lá pelos anos 60 quando as fontes do equipamento eletrônico mais sofisticado que existia na época, o televisor preto e branco, eram bem precárias e pouco estáveis.
Por outro lado a rede elétrica também era bem ruim (pior que hoje) e variava de 90 a 130 volts, na melhor das hipóteses.
Quem é da velha guarda deve lembrar dos famosos TeleVolt e similares que eram usados até em geladeiras.
Por volta de 1985, os computadores começaram a invadir a “colônia”, mas as máquinas daquela época, como PC 500 da Prológica e MSX, para citar alguns membros da família dos dinossauros cibernéticos, não têm nada em comum com os PCs atuais.
Naquela época usava-se como monitor o televisor preto e branco de 14 polegadas, após modificações para receber sinal de vídeo composto depois de ter sido recentemente substituída por um “moderno” Philco color all solid state.
Aqueles televisores horrorosos cujo quadro diminuía com quedas de tensão na rede exigiam um estabilizador de tensão. Foi a época de ouro da TeleVolt.
Lá pelo ano 90 chegaram os PCs com os “moderníssimos” monitores monocromáticos de tela verde, ou melhor, com letrinhas verdes cujas fontes ainda estavam engatinhando em matéria de estabilização.
Aí os estabilizadores começaram a ganhar espaço e mercado.
Dos anos 90 para cá os circuitos evoluíram muito e as fontes de alimentação, dos PCs, monitores, televisores e etc são extremamente estáveis e aceitam sem cerimônia as variações da rede elétrica.
Então para que ligar um computador ao estabilizador?
Mas o mito de que não se deve ligar um computador sem um estabilizador sob pena de ele queimar continuou sendo sustentado pela indústria, pelos vendedores e pelos os “técnicos” de informática desinformados que embarcam nesta onda porque não querem se comprometer e, por via das dúvidas, e melhor seguir a boiada.
A “teoria” deles se baseia no seguinte: “o vendedor da loja disse que não se pode ligar computador sem estabilizador” e pronto.
Eu estou falando daqueles estabilizadores de “trinta real” que o vendedor do computador da lojinha de informática lhe empurra goela abaixo quando você compra o seu brinquedo novo.
É claro que existem estabilizadores profissionais de médio e grande porte que deveriam ser utilizados em empresas ou ambientes onde se tem um grande número de máquinas ligadas a uma rede elétrica, geralmente, sobrecarregada.
Já os estabilizadores de “trinta real” são caixinhas de plásticos com meia dúzia de tomadas, muitas vezes, bem vagabundas (desculpem, mas essa é melhor palavra que eu posso usar aqui, as outras não são muito educadas). Estes modelos você pode esquecer porque não servem absolutamente para nada.
E os filtros de linha, ajudam?
Ajudariam a “limpar” a rede de espúrios se eles realmente fossem filtros de linha, mas o que temos no mercado é nada mais que uma tira de tomadas, às vezes, com uma luzinha e uma chave liga/desliga.
Filtros de linha decentes não custam “10 real” como estes que se encontram por aí.
Por outro lado as fontes de PC (exceto aquelas muito ruins) já incorporam filtros de linha de qualidade razoável porque se fossemos depender da filtragem destes “filtros” de linha seria o mesmo que beber água de poço porque eles não filtram nada.
Então como ligar um PC e seus acessórios de forma confiável?
A primeira coisa, antes de tudo deveria ser se preocupar com a fonte do PC.
Use fontes com PFC ativo (bem mais caras), mas que operam automaticamente de 90 a 240 V AC RMS e então, mande às favas as variações da entrada da rede elétrica.
Por outro lado estas fontes têm um Fator de Potência que pode chegar a mais de 0,9 o que significa que a Potência Real fica quase igual a Potência Aparente e portanto, se quiser usar um nobreak, não precisa super dimensioná-lo, pois os watts da fonte irão ficar quase iguais aos VAs do nobreak e além disso você economiza na conta de energia.
Fator de potência baixo significa energia desperdiçada em forma de calor!
Moral da história
Se na sua casa ou escritório venta muito, uma boa aplicação para o estabilizador é utilizá-lo como “peso de papel” embora existam uns mais bonitinhos que a gente compra em feirinhas de cidades turísticas!
Até sempre!
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