Como você compra um ferro de soldar: pela potência ou pelo preço?
Como você compra um ferro de soldar: pela potência ou pelo preço?
Nos primórdios da Eletrônica, ainda no tempo das válvulas, era comum se comprar ferros de soldar referindo-se a potência em watts, assim como se fazia (e ainda se faz) quando compramos lâmpadas.
Os tempos mudaram os equipamentos e as lâmpadas evoluíram, mas este conceito impreciso de que watts expressa exatamente a temperatura de um ferro de soldar ou a luminosidade oferecida por uma lâmpada permaneceram.
Então, é hora de revermos estes “conceitos antigos” ao comprarmos ferros de soldar ou lâmpadas.
Vou começar com uma pergunta bem simples: o que é watt?
Para início de conversa “watt” é a unidade utilizada no Sistema Internacional (SI) para potência e no caso do ferro de soldar, em particular, não exprime exatamente o calor, que é o que interessa, embora esteja diretamente relacionado a ele como veremos mais adiante, e nem tão pouco nos informa a “quantidade” de luz que iremos receber, se estivermos falando de lâmpadas.
E potência, o que é?
Existem duas “potências”: útil e dissipada. O que nos interessa é a quantidade de energia fornecida durante um intervalo de tempo, ou seja, a potência útil.
O conceito de energia é um conceito complicado. Fala-se, às vezes, por exemplo, em energia psíquica ou expressões como “este ambiente está cheio de energia negativa (ou positiva)” e por aí vai.
Expressões como estas são meramente intuitivas e, sob o ponto da física, não querem dizer nada, simplesmente porque não podem ser medidas, pois não existe um parâmetro para referência.
Para os físicos “energia é a capacidade de realizar trabalho”.
E aqui enveredamos em outro caminho. Existem dois “tipos” de trabalho. Aquele do mundo social e da economia e o do mundo da física.
A confusão talvez exista porque em português a mesma palavra (trabalho) é utilizada para os dois significados. Em inglês temos “work” e “job”.
Então, para os físicos “energia é a capacidade de realizar work” e não é medida em watts e sim em joules (ou calorias, unidade de energia mais utilizada da área de saúde, 1 cal = 4,186 joules, veja os rótulos de alimentos e refrigerantes).
E a potência? Bem, a potência é a relação entre a entre energia, que neste caso é a energia térmica ou calor, e o tempo, então watt é igual a joule por segundo.
Existem varias formas de energia e uma se transforma em outra, logo podemos falar, por exemplo, em energia mecânica, energia elétrica, energia solar, energia térmica, só para citar algumas formas mais conhecidas (“energia psíquica, não”!).
Concentremo-nos na energia térmica que, nosso caso particular do ferro de soldar, produzirá a transformação da energia elétrica em energia térmica ou calor.
Aqui aparece outro conceito, o calor, que popularmente é confundido com temperatura.
A temperatura mede o grau de agitação das moléculas de um corpo e suas unidades mais usuais são o grau Celsius e o Fahrenheit, enquanto que o calor ou energia térmica, que é medido em joules, expressa a energia em trânsito de um corpo “mais quente” para outro “mais frio”.
Se você acha que eu estou divagando muito, falando de coisas tão teóricas para dizer como escolher um ferro de soldar, sugiro que não desista, pois você já vai ver onde eu quero chegar.
E agora, que tal uma perguntinha para você pensar um pouquinho?
Quando você vai tomar um café com leite no bar e o sujeito traz aquele copo fumegando de queimar a mão você pede para ele trocar de copo, não é mesmo?
Mas por que quando foi feita a troca de copo o café com leite ficou mais frio? Será que ficou mesmo mais frio?
O que ocorreu neste caso é que o novo copo ficou mais quente ao receber calor do café com leite, ou melhor, houve uma transferência de calor do café com leite que estava mais quente para o novo copo que estava mais frio.
Estamos quase chagando no ferro de solda (depois de acabar de beber o café com leite!).
E o que você acha que aconteceria se o segundo copo em vez de ser de vidro fosse, por exemplo, de aço inoxidável ou mesmo sendo de vidro fosse bem maior que o primeiro?
Será que o café com leite “esfriaria” mais depressa?
Intuitivamente você talvez responda que se o copo fosse de aço ou mesmo de vidro, porém maior o café esfriaria mais rapidamente.
Se a sua intuição ainda não funcionou, então vamos a outro exemplo.
Num dia de verão e Sol escaldante a gente percebe que a areia está muito mais quente que a água do mar, embora ambas recebam a mesma quantidade de energia térmica (calor) proveniente do Sol, não é mesmo?
A principal razão para que isso aconteça é que a capacidade da areia de absorver calor é maior que a da água. Devemos considerar também que a quantidade de água é muito maior que a de areia.
Aqui entra o conceito de capacidade térmica que determina a quantidade de calor que um corpo precisa receber para alterar sua temperatura e isto irá variar de um material para outro (areia e água, no nosso exemplo) e da “quantidade de material” (massa) se for o mesmo material.
Esta característica do material é denominada calor específico.
Até que enfim, o ferro de soldar.
Ah! Então, o material do qual é feita a ponta do ferro de soldar é importante, você concorda?
Porque, em última analise, a ponta do ferro é que será responsável pela transferência do calor recebido pela resistência aquecida pela passagem por ela da corrente elétrica.
Você pode argumentar que quanto maior for a potência em watts, maior será a transformação da energia elétrica em energia térmica.
Concordo plenamente, mas de nada vai adiantar termos uma temperatura alta na resistência do ferro se absorção do calor pela ponta for baixa.
Na verdade, o que é mais importante é saber quantos graus Celsius (ou Fahrenheit) teremos efetivamente na ponta do ferro, ou seja, sua potência útil.
Então, conclui-se que dois ferros de soldar de “mesma potência” podem apresentar resultados completamente diferentes na hora de soldar por conta da potência dissipada fazendo com que potência útil seja menor.
Os fabricantes, em geral, não informam as perdas.
Como você descobre então? Bem, o preço pode ser um bom indicativo.
E o que acontece na hora que vamos soldar alguma coisa?
Aqui vale relembrar a experiência do copo de café com leite.
Lembra que o café com leite “esfriou” porque o copo esquentou, ou seja, houve transferência de calor de onde estava mais quente (café com leite) para onde estava mais frio (copo).
Na hora de soldar acontecerá a mesma coisa. A ponta do ferro vai transferir o seu calor para a peça ou para o local onde iremos soldar fazendo com que a ponta do ferro perca calor (esfrie), a menos que o ferro de soldar seja capaz de “perceber” que a temperatura na ponta está diminuindo e “dê um jeito” de aumentar a temperatura para compensar esta perda de calor por transferência térmica.
Outra questão que certamente os técnicos experientes percebem é que é mais difícil soldar áreas muito grandes ou componentes com terminais muito grossos.
Agora você já sabe por que isto acontece, é só rever a experiência da praia que eu citei lá atrás.
Ferro de soldar versus estação de solda.
Ferros de soldar comuns não são “inteligentes” para “perceber” que o local que está sendo soldado está “roubando” calor de sua ponta e é preciso “dar um jeito” de aumentar a temperatura para compensar esta transferência de calor.
Se o ferro for de boa qualidade (e aqui estou me referindo à potência útil e não ao número de watts propriamente dito) ele até poderá fazer uma boa solda dependendo do que está sendo soldado.
Vale a pena abrir um parêntese aqui para dizer uma coisa que muita gente desconhece.
Quem vai efetivamente derreter a solda não é o ferro de soldar e sim a peça que está sendo soldada que ao receber o calor da ponta do ferro se aquece e derrete a solda.
Por isso, soldar áreas maiores exige uma ponta com melhor capacidade de absorver o calor (o que nem sempre tem muito a ver com potência do ferro).
Para resolver o problema de “aumentar” a temperatura da ponta do ferro à medida que ela tende a esfriar (porque a peça a ser soldada está roubando calor dela), temos as estações de solda que têm sensores de temperatura e até um display indicando este valor, e que pode ser ajustado de acordo com o que e onde vai ser soldado.
Não compre gato por lebre
Vale ressaltar que nem tudo que é vendido no mercado como “estação de solda” é verdadeiro. Alguns fabricantes oferecem um ferro de soldar com uma base acoplada onde há um potenciômetro para “ajuste de temperatura”, mas não há nenhum display mostrando o valor desta temperatura.
A imagem acima não é efetivamente uma estação de solda e sim um ferro de soldar controlado por um dimmer do tipo destes que se usa para controlar a velocidade de ventiladores de teto. Uma embromação para falar o português claro. Se o preço for muito menor do que uma estação de verdade, desconfie.
E a qualidade da solda?
Este é um ponto tão importante quanto a qualidade do ferro de soldar.
Mesmo que você esteja usando uma estação de solda “decente” seu trabalho de soldagem deixará a desejar se a solda for ruim.
A solda convencional usada em eletrônica deve ser, no mínimo, do tipo 60/40 onde o primeiro número indica a porcentagem de estanho e o segundo a porcentagem de chumbo. Quanto mais estanho melhor. Entretanto, como o estanho é muito mais caro que o chumbo, você já pode imaginar o que acontece por aí.
Atualmente a indústria está utilizando um tipo de solda chamado lead free (sem chumbo) que exige temperatura mais alta.
Outra questão que ajuda muito na soldagem é uso de “fluxo” que não deve ser confundido com aquelas pastas de soldar dos anos 50.
Há quem possa argumentar que uma boa estação de solda custa muito caro, no que eu sou obrigado a concordar, mas a questão é os novos componentes são “mais exigentes” do que os antigos.
Se você está começando a estudar eletrônica ou é um hobbista, um bom ferro de solda pode resolver seus problemas.
Mas eu disse “bom” e, portanto não estou me referindo àquelas coisas terríveis vendidas em camelôs.
É uma ideia falsa de que ”para quem está começando qualquer coisa serve”, ledo engano. O principiante tem uma dificuldade natural pela falta de prática e se a ferramenta for de má qualidade o trabalho também será e resultará numa frustração total achando que a culpa é só dele. Pense nisso…
Deixo aqui meu agradecimento ao amigo e professor Cesar Bastos que pacientemente leu o texto e me sugeriu algumas alterações para tornar mais precisos os conceitos da física abordados aqui e, a meu ver, fundamentais para a formação de um bom técnico.
Aprendi com o meu inesquecível professor de matemática do curso técnico, o PBO, que devemos “informar sem mutilar” e esta é e será sempre a minha linha didática, embora um ou outro leitor me critique por isso. Sou adepto fervoroso da boa formação, não só técnica, mas também de caráter, isto poderia evitar que prédios e pontes caíssem ou pessoas morressem desnecessariamente nos hospitais.
Até sempre
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