Fontes chaveadas para principiantes
Fontes chaveadas para principiantes – Parte I
Resolvi escrever uma série com alguns artigos sobre fontes chaveadas com um olhar voltado para a reparação, mas desde já aviso que não serão artigos do tipo receita de bolo “ensinando” (!) qual o componente trocar para que a fonte funcione.
Os leitores que me acompanham sabem que não sou a favor de simplesmente ir trocando peças até ver se a coisa funciona e sim, tentar descobrir a falha apoiado no princípio de funcionamento do circuito e será assim que trabalharei nestes artigos.
Que tal um pouco de nostalgia numa hora dessas?
Os mais antigos hão de lembrar e os que estão chegando agora deveriam ser informados como eram as fontes de alimentação desde os primórdios da eletrônica até, mais ou menos, os anos 80.
Se precisássemos obter tensões contínuas maiores ou menores que os valores fornecidos pela rede elétrica o principal recurso era lançar mão de um transformador, geralmente, “bem dotado” seguido de um circuito retificador e um capacitor de filtro, este último também bastante “espaçoso”.
O que faz uma fonte de alimentação, chaveada ou não?
O objetivo de uma fonte de alimentação, qualquer que seja a sua aplicação, é “transformar” uma tensão alternada (AC) em uma tensão contínua (DC) obrigatória e com valores adequados à alimentação de todos os componentes ativos de um circuito eletrônico, desde os primitivos valvulados aos atuais circuitos integrados SMD.
A tensão DC pode ser obtida com pilhas ou baterias, mas esta solução nem sempre pode ser usada e, portanto a fonte de alimentação parece ter seu lugar garantido na eletrônica até o “fim dos tempos”.
Por outro lado, na maioria das vezes, precisamos de valores de tensão DC maiores ou menores que os valores AC fornecidos pela concessionária de energia elétrica. Em outras palavras, além de transformar AC em DC precisamos alterar seu valor e uma das maneiras mais simples e eficientes para se conseguir isso é através de transformador, ou melhor, era porque hoje existem outras opções.
Para transformar a tensão alternada em continua o primeiro passo é utilizar um circuito a base de diodos e chamado de circuito retificador.
Não sei quem teve a ideia de utilizar este nome e eu, particularmente, não gosto muito do termo. Afinal “retificar” dá ideia de transformar alguma coisa curva numa reta e isto o circuito retificador não faz, apenas dá uma ajudinha.
O que um “circuito retificador” realmente faz é “ceifar” um pedaço da onda alternada.
Aliás, o termo circuito ceifador é utilizado em eletrônica em outras situações que não a das fontes de alimentação e “por acaso” também usa diodos, mas isto é outra história.
Se simplesmente ceifarmos um dos semiciclos (positivo ou negativo) da onda senoidal da tensão alternada fornecida pela concessionária teremos como “sobra” apenas meia onda.
Basta um diodo (semicondutor ou uma válvula!) e conseguimos isto como vemos na figura 1.
Mas esta ainda não é uma tensão contínua, embora estejamos a meio caminho (sem trocadilho) para conseguir obter a desejada tensão contínua.
Para preencher o “vazio” entre cada semiciclo, deixado pelo ceifamento de um dos semiciclos (no exemplo os negativos), basta colocar um capacitor em paralelo com a carga como aparece na figura 2.
Mesmo assim o espaço entre cada semiciclo tem uma pequena ondulação e não é uma linha reta como uma tensão continua “pura” obtida de uma bateria.
Esta ondulação, que poderá ser maior ou menor dependendo do tamanho do capacitor e do consumo da carga, costuma ser chamada de ripple e tem o formato de uma onda quase triangular.
Uma melhoria nessa onda pode ser conseguida, preenchendo-se o espaço entre cada semiciclo positivo com o semiciclo negativo (neste caso) que foi ceifado pelo diodo, se conseguirmos dar uma “cambalhota” nele e fazê-lo passar para cima.
A “cambalhota” é conseguida construindo um circuito que passará ser chamado de retificador de onda completa.
Este circuito pode ser construído de duas maneiras diferentes, mas que produzem o mesmo resultado final, como veremos nas figuras 3 e 4 .
Fig. 4 – Retificação de onda completa em ponte
Em ambos os casos a forma de onda na carga é a mesma, entretanto há uma diferença importante entre os dois circuitos, na verdade duas diferenças.
A mais importante é que no circuito da figura 4, que é denominado retificação em ponte, não foi preciso usar um transformador, enquanto no circuito da figura 3 o transformador é obrigatório.
Ora, como um dos principais objetivos da fonte chaveada é permitir nos livrarmos do transformador pesadão, o retificador em ponte é o queridinho de todas as fontes chaveadas do mundo e o circuito da figura 3 nunca será usada nelas.
O mais importante, seja no circuito da figura 3 ou 4, é que ao acrescentarmos um capacitor em paralelo com a carga, a forma de onda sobre ela se aproximará bem mais de uma tensão contínua do que na retificação de meia onda como vemos na figrua 5.
O motivo é óbvio. O tempo que o capacitor terá que esperar para se recarregar cai para a metade.
Sendo assim, toda fonte chaveada terá como circuito de entrada uma retificação em ponte como se vê na figura 6 (diodos D810 a D813 e C812).
Outras “coisinhas” no circuito de entrada
Vamos fazer um pit stop por aqui e dar uma olhadinha mais atenta no circuito da figura 6.
Observe que existem duas simbologias de “terra”, uma circulada em verde e a outra em azul.
O “terra” que está com círculo em verde é o terceiro pino da rede elétrica (fio verde ou verde/amarelo da instalação) por isso, é importante que a instalação elétrica esteja feita corretamente e se não for possível colocar o “terra de verdade” na tomada este terceiro pino jamais deve ser ligado ao pino que corresponde ao neutro (neutro não é terra).
O “terra” circulado em azul é o negativo da tensão DC que ora será o polo vivo da rede e ora o polo neutro de acordo com o par de diodos que estiver conduzindo em cada semiciclo.
Em outras palavras este circuito não está isolado da rede e o “terra azul” pode dar choque.
O componente marcado como R840 ligado entre a rede elétrica e os diodos da ponte é um termistor PTC (coeficiente de variação de resistência com a temperatura positivo, isto é, a resistência aumenta com o aumento da temperatura) cuja finalidade é reduzir a corrente de pico nos diodos quando o capacitor C812 é carregado toda vez que a fonte é ligada à tomada.
Os demais componentes ligados à entrada funcionam como filtro de linha e de acordo com a qualidade (e o preço) do equipamento este circuito pode ser mais elaborado como o que vemos na figura 7.
Repare, por exemplo, a presença do componente TVR1 ligado entre fase e neutro. Trata-se de um varistor (fig.8), também conhecido como MOV (Metal Oxide Varistor) e que tem uma função importante na proteção dos componentes da fonte. No caso de um pico de tensão da rede de curta duração (milissegundos) o varistor entra em curto imediatamente o que provoca a “queima” do fusível e, assim não deixa que o surto de tensão atinja os demais componentes da fonte.
Dicas de manutenção (para qualquer fonte)
Quando encontramos um fusível aberto (ou queimado, como dizem por aí) e enegrecido isto nos dá uma forte suspeita de que houve um pico de tensão da rede elétrica.
Se o circuito possui varistor, ele, certamente, estará em curto e com um aspecto parecido ao que se vê na figura 8.
Retire o varistor, troque o fusível e ligue o equipamento usando uma lâmpada em série de potência adequada, por precaução.
Provavelmente funcionará. Agora é só colocar outro varistor no lugar e está pronto, mas jamais deixe de colocar um novo varistor.
Se a fonte que você está tentando reparar não tem varistor e o fusível estiver aberto, a primeira coisa é trocar o fusível e ligar a fonte através de uma lâmpada série adequada (nunca ligue direto à rede).
Um fusível aberto não necessariamente indica que há alguma coisa em curto no aparelho, por isso antes de se desesperar e ficar procurando chifres em cabeça de burro vale a pena ligar e ver o que acontece, mas obrigatoriamente sempre através da lâmpada série.
Se a lâmpada acendeu com brilho total aí sim, definitivamente hoje não é seu dia de sorte e você terá que arregaçar as mangas e colocar seus neurônios preguiçosos em ação.
O primeiro suspeito causador deste curto é a ponte retificadora, então desligue o aparelho da tomada (eu disse da tomada) e comece verificando a ponte. Você ainda tem uma segunda chance de ser seu dia de sorte.
Se a ponte for feita com diodos discretos, como no exemplo da figura 9, você pode testar os diodos na própria placa (você seguiu minha orientação e desligou da tomada, claro!).
Em alguns equipamentos mais elaborados podemos encontrar capacitores cerâmicos em paralelo com cada um dos diodos da fonte. Neste caso estes capacitores passam para a categoria de suspeito número 1, às vezes, apenas com um olhar atento descobre-se o “criminoso”.
Retire os capacitores e ligue a fonte, com a lâmpada em série é claro. Funcionou? Seu dia de sorte é hoje!
Troque os capacitores, geralmente, de isolamento 1kV (troque todos, deixe de ser mão de vaca) e corra para o abraço.
E se a ponte retificadora for do tipo “circuito integrado” como a que vemos na figura 10, por exemplo, como testá-la?
Neste caso você deve ter a mão o circuito interno da fonte que é mostrado na figura 11 e seguir os seguintes passos:
(1) Usando um multímetro digital na escala de diodos coloque a ponteira vermelha no terminal “-“ (junção dos diodos D1 e D2) e alterne a ponteira preta entre os terminais A e B. Desta forma você mede a condução dos diodos D1 e D2 e descobre se algum deles está em curto ou aberto.
(2) Coloque a ponteira preta no terminal “+” (junção dos diodos D3 e D4) e alterne a ponteira vermelha entre os terminais A e B. Desta forma descobre se diodos D3 e/ou D4 estão em curto ou aberto.
Apenas com estas quatro medidas você já poderá tirar conclusões sobre o estado dos diodos internos da ponte e saber se ela esta boa ou não.
Voltando à fonte chaveada
É possível que você esteja querendo argumentar que embora a proposta do artigo seja falar sobre funcionamento e reparo de fontes chaveadas, até aqui só tratamos de circuitos retificadores.
Pois é, mas isto foi feito porque toda fonte chaveada começa por aí, então achei que valia a pena uma rápida revisão sobre o assunto e, agora sim vamos começar a tratar do princípio de funcionamento das fontes chaveadas.
Vale lembrar que principal objetivo de uma fonte chaveada é reduzir o tamanho e o peso das fontes e o maior vilão nesta história, como sabemos, é o transformador e depois dele, o capacitor de filtro.
Uma pergunta que deveria surgir na cabeça de um iniciante de eletrônica é porque uma fonte linear usa transformadores grandões e as fontes chaveadas fazem a mesma coisa com transformadores bem menores?
Uma resposta, curta e grossa, é que se você reparar bem um lado do enrolamento do “transformador” da fonte chaveada não está ligado à rede elétrica como nas fontes lineares e sim à tensão DC obtida após a retificação e filtragem como aparece na figura 12.
Ops! Um transformador pode ser ligado a uma tensão continua?
O que você acha, sim ou não?
Se você acha que sim, está na hora de rever seus conceitos e sugiro fortemente que faça a experiência que eu vou propor a seguir, agora se tem certeza que um transformador não funciona com tensão continua e sabe por que, então está dispensado da experiência.
Ligando um transformador a uma tensão continua
Pegue um transformador qualquer ligue o secundário a uma bateria de 9 volts, por exemplo, e ligue ao primário um voltímetro analógico (digital não serve) na menor escala de AC.
Ah! Não deixe a bateria ligada muito tempo porque ela irá esquentar e ficará inutilizada.
Conseguiu medir alguma coisa?
Não conseguiu? Que bom, estamos no caminho certo.
Agora refaça a experiência colocando uma chave tipo push-bottom entre um terminal da bateria e o transformador como mostrado na figura 13.
Se você ficar ligando e desligando a bateria freneticamente através da chave irá notar um pequeno deslocamento do ponteiro do voltímetro analógico (digital não serve) que deve estar selecionado para a menor escala de tensão AC.
Parabéns! Com esta experiência você acabou de “descobrir” o principio da fonte chaveada?
Na verdade o transformador que no caso das fontes chaveadas é chamado de chopper (não tem nada a ver com cerveja) não está ligado diretamente à tensão DC, mas através de transistor que fará o papel da chave push bottom do nosso experimento, acionada pelo seu dedo. Veja a figura 14.
E qual a vantagem de se fazer isso?
Quando trabalhamos com a rede elétrica diretamente ficamos limitados a frequência de 50 ou 60Hz, mas usando o artifício de chavear a tensão DC que vai ao primário do transformador (chopper) podemos trabalhar com frequências muito mais altas, ordem de 100kHz ou mais, dependendo, principalmente, da capacidade do transistor operar nestas frequências.
Na verdade a ideia não é tão nova assim, o principio é o mesmo utilizado na bobina de ignição dos automóveis ou nos flybacks dos televisores de tubo
E por que não se usava isto antigamente?
Bem se tivermos falando de válvulas a resposta é óbvia, mas mesmo com os transistores primitivos eles não eram capazes de operar em alta velocidade o que tornava o projeto inviável do ponto de visto prático.
Entretanto, sempre que juntamos frequência alta com correntes altas as coisas complicam o que faz com que as fontes chaveadas sejam tão exigentes com relação a qualidade dos componentes e também do material usado para a placa de circuito impresso.
À medida que a tecnologia dos semicondutores foi avançando os projetos de fontes chaveadas puderam sair do papel para a prática.
Na segunda parte deste artigo vamos analisar os blocos de uma fonte chaveada genérica e ver como pesquisar defeitos.
Enquanto isso sugiro que você comece a dar uma olhada em esquemas de fontes chaveadas e tente descobrir o papel de cada componente, principalmente os semicondutores.
Este exercícios do olhar será muito útil no futuro.
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