Ressuscitando o pré amplificador valvulado CZH-50152
Ressuscitando o pré amplificador valvulado CZH-50152
É bem provável que nenhum leitor tenha ouvido falar ou visto este pré amplificador valvulado denominado CZH-50152 e deva estar querendo saber quem é o fabricante desta verdadeira relíquia e porque eu estou escrevendo sobre ele.
Repare na etiqueta indicando que ele foi fabricado para Marinha dos Estados Unidos da América, provavelmente na década de 40, sob contrato com a Humble Oil & Refining Company uma empresa de petróleo que virou a Exxon, aqui no Brasil conhecida como Esso.
Não me perguntem o que uma empresa de petróleo tem a ver com a fabricação de um equipamento eletrônico, especificamente um pré amplificador fabricado para a marinha americana, porque eu também não entendi, mas o fato é que o dito cujo existe e veio parar na minha mão para que eu o “ressuscitasse”.
O pré em questão foi construído com quatro válvulas diodo/pêntodo 1S5. Esta série de válvulas foi produzida para equipamentos “portáteis” trabalhando com 1,4V/50mA no filamento e, portanto podendo ser alimentado com pilhas de 1,5V.
Lembro-me vagamente de ter ganhado um rádio com este tipo de válvulas quando eu me iniciava na eletrônica lá pelos anos 60. Obviamente que ele não existe mais, porque eu o “destruí” com minhas “pesquisas” na época.
A tensão de +B do amplificador é de 67,5V obviamente também obtida através de uma bateria.
Aliás, daí é que vem o termo “+B”. Chamava-se bateria B a que alimentava as placas e grande auxiliar e a bateria A alimentava os filamentos das válvulas.
Revirei a Internet de cabo a rabo, mas desta vez São Google não atendeu minhas preces e não encontrei de jeito nenhum o esquema desta raridade, mas felizmente nem foi preciso.
O primeiro passo, como não podia deixar de ser, foi retirar gabinete de alumínio e olhar o estado interno.
Uma montagem linda, para quem gosta de valvulados. Vejam só.
Pelo aspecto dava para notar que aparentemente o bichinho nunca tinha sido “bombardeado” por ninguém e parecia estar tudo original o que já era bastante animador.
Agora, seria torcer para que as válvulas estivessem boas.
Baixei o data sheet da 1S5 na Internet (valeu São Google) e através dele, medindo a resistência entre os pinos 1 e 7, pude constatar que, pelo menos, nenhuma delas estava com o filamento aberto o que já era um bom sinal.
Restava continuar sendo otimista e esperar que não estivessem com baixa emissão.
Como não disponho de um testador de válvulas e não conheço ninguém que ainda tenha um, o jeito seria ligar e ver o que aconteceria.
Liguei uma pilha tipo D de 1,5V nos terminais externos indicados como “external +1,5V” e apagando todas as luzes do meu “laboratório” pude ver que as quatro válvulas acendiam. Até aqui tudo estava indo bem. Continuei com os dedos cruzados (não custa nada uma pouco de superstição) e parti para o próximo passo que seria “arranjar” uma fonte de 67,5V para fazer a alimentação de +B e ver se não apareceria nenhuma fumacinha.
Novamente recorri a Internet para ver se alguém já havia passado por esta situação e tinha alguma sugestão interessante para a construção de uma fonte de 67,5V para rádios valvulados “portáteis” dos anos 50.
Fiquei desapontado. Tinha até quem sugerisse usar sete ou oito baterias de 9V em série. Fala sério. O cara de estar com dinheiro sobrando, além de ficar uma coisa horrivelmente sem estética.
Seguindo a regra que diz “quem quer faz” resolvi apelar para o meu baú e lembrei-me uma montagem feita por um ex-aluno meu (Jorge Rodrigues, nunca mais soube dele) de uma fonte variável até 150V usada para “recuperar” eletrolíticos que ficavam guardados muito tempo.
A ideia era aplicar uma tensão baixa ao eletrolítico (terminais Cx) e ir aumentando-a lentamente através do potenciômetro R1 ao mesmo tempo em que se monitorava a corrente de fuga e a tensão. À medida que a corrente de fuga diminuía, aumentava-se um pouco mais a tensão até que a corrente de fuga fosse quase nula e assim aqueles eletrolíticos “novos” que estavam hibernando na gaveta há muito tempo podiam “voltar ao trabalho” sem risco de entrarem em curto.
O aparelhinho perdeu a utilidade com as novas tecnologias dos eletrolíticos e também porque o galvanômetro parou de funcionar por causa de uma oxidação nos terminais da bobina móvel, porém continuou guardado por aqui (ainda bem). Publico abaixo a versão original desenhada pelo Jorge como uma homenagem a ele.
Ajustei a tensão para 67,5V nos terminais marcados como Cx no “ressuscitador” de eletrolíticos e liguei ao amplificador através dos bornes externos indicados “bateries” através de uma lâmpada série, por precaução.
Este pré tem uma chave no painel com três funções: liga-desliga, bateria interna e bateria externa o que permitia, em caso das baterias internas estarem ruins, pudessem ser usadas fontes externas.
Como a lâmpada série não acendeu forte nada estava em curto. Ainda bem!
O próximo passo foi injetar um sinal senoidal de 1kHz nos bornes de entrada e ver o que apareceria nos bornes de saída indicados como phones.
A emoção foi grande. Estava lá na saída uma senóide amplificada e cujo nível podia ser controlado pelo potenciômetro de volume (gain) ao lado da chave de três posições mencionada acima.
Deixei o “ancião” ligado por mais de uma hora com e extintor de incêndio de prontidão, mas não foi preciso utilizá-lo, O velhinho parecia que ainda estava em forma.
Daqui para frente era apenas uma questão de encontrar uma solução definitiva para as duas fontes (+B e filamento) que pudessem ficar instaladas no lugar destinado as baterias que, por sinal, era bem “espaçoso”.
A fonte que mais me preocupava era a de 67,5V já que a usada para teste estava fora de cogitação porque não é isolada da rede como se vê no esquema.
Cheguei a pensar em construir um inversor DC-DC usando o MC 34063 no mesmo estilo do que fiz para substituir a bateria de 22,5V dos multímetros que já foi apresentado aqui no blog.
Fiz alguns ensaios, mas acabei desistindo pela dificuldade em encontrar o indutor calculado e está cada vez mais difícil comprar certos tipos de componentes aqui no Brasil.
Até então eu não havia me preocupado em saber qual o consumo de corrente do amplificador.
Para o filamento eu já tinha visto no data sheet que era 50mA por válvula, logo 200mA no total o que eu comprovei com um miliamperímetro.
Voltei ao data sheet e analisando as curvas da válvula vi que a corrente máxima de placa era de 1,6mA o que já começava a me dar um certo alívio.
Pensando bem este valor era bem coerente uma vez que os aparelhos que utilizavam estas válvulas destinavam-se a ser “portáteis” e, portanto alimentados por baterias e que naquela época não eram recarregáveis.
Para ter certeza do consumo total das válvulas a melhor opção era medir a corrente com um miliamperímetro o que me deu algo próximo de 2mA. Repare que 2 mA era consumo total no +B!
Isto iria simplificar muito o meu projeto.
Considerando um consumo de corrente tão baixo a primeira ideia que meu veio a cabeça foi construir um dobrador de tensão a partir de um transformador de 12+12, obtendo 24V AC entre os terminais que iria me fornecer algo próximo de 68V DC.
Como ninguém tinha tido esta ideia tão simples até hoje para alimentar rádios vintages desta época apreciados pelos colecionadores? Será que eu sou um gênio ou um perfeito idiota?
Prefiro ficar com a primeira opção (kkkkk)!
O transformador deveria ser o menor possível para ocupar pouco espaço e o que se encontra no mercado é de 100mA e, assim mesmo, bem difícil de achar.
Comecei a revirar meus guardados e acabei achando um trafo bem pequeninho que fornecia 64V AC no secundário e que após a retificação e o capacitor de filtro daria algo próximo de 90V DC.
Nada mal. Poderia baixar a tensão para os desejados 67,5V simplesmente usando um resistor em série e mais um capacitor tendo assim um filtro em pi.
É bom que fique claro que a opção de baixar a tensão com um resistor só se tornou viável porque a corrente era de 2mA e, portanto o resistor não iria gerar muito calor.
Vamos fazer a conta para ver a sua potência.
A queda de tensão no resistor será aproximadamente de 90 – 67,5 = 22,5V. Agora multiplicando este valor pelos 2mA de consumo teremos 45mW ou 0,045W. Praticamente nada!
Em face de uma potência tão baixa optei por usar um trimpot de 15 kohms para ajustar o valor da tensão, pois pela Lei de Ohm o resistor deveria ser 25,5V/2mA = 11,25kohms e o circuito final ficou como mostrado abaixo.
Vencida a batalha da fonte do +B restava resolver o problema da alimentação dos filamentos que preferencialmente deveria ser feita com tensão contínua, para evitar indução de 60Hz na grade das válvulas pelo filamento. Afinal trata-se de um pré amplificador de baixo sinal.
Resolvi tomar como base um carregador de celular antigo que fornecia 5V com 800mA e um regulador LM317 ajustado para fornecer 1,4V.
Você poderia perguntar: – Por que neste caso não fiz a queda de tensão de 5V para 1,4V simplesmente com um resistor?
A explicação é simples. Toda vez que o pré fosse ligado, os filamentos receberiam 5V por alguns segundos até começarem a aquecer e aí sim a tensão baixaria para 1,4V pela queda no resistor. Achei que estes “socos no estomago” repetitivos nos filamentos de uma válvula “anciã” iriam se configurar como uma agressão ao idoso e, por isso optei por regular a tensão 1,4V com o LM317 para que o filamento receba sempre a tensão correta.
Encontrar uma válvula dessas hoje em dia não vai ser muito fácil nem muito barato.
Hora de partir para a montagem definitiva
Retirei os suportes das baterias de dentro do gabinete para alojar as fontes. Com “área limpa” instalei os três blocos (transformador, fonte de 67,5 e de 5V) sobre a placa de baquelita preta que servia originalmente para o apoio das baterias.
Aproveitei a chave original de liga/desliga do painel.
Tudo pronto e conferido era hora de ligar a “coisa” à rede elétrica para ver se ainda funcionava.
Aparentemente a senóide na saúda de phones estava ok, mas quando eu resolvi colocar um par de fones para ouvi-la meus ouvidos não gostaram do que escutaram.
Junto com 1kHz da senóide havia também sobre ela um “rame” bem audível, provavelmente de 60Hz ou um de seus harmônicos mais próximos ( 120 ou 180Hz).
Ele poderia estar sendo gerado por baixa filtragem na fonte o que eu apostaria que não e ganhei aposta ao verificar com o osciloscópio que o +B estava limpinho.
No fundo eu já imaginava que isto pudesse acontecer, mas tentei forçar a barra assim mesmo e fingir que não ia acontecer o que eu temia.
O campo magnético do transformador deveria estar sendo captado pelas válvulas e era daí que poderia estar vindo o “ronco”.
Os pré amplificadores de qualidade usam blindagem nas válvulas para evitar captações de campo magnético, entretanto o projetista não se preocupou com isso uma vez que o equipamento foi projetado para ser alimentado com baterias e todo conjunto estava instalado dentro de uma caixa de alumínio que funcionava como blindagem geral.
Para certificar-me que o transformador era o vilão, removi-o momentaneamente de dentro do gabinete e o “fantasma roncador” sumiu.
Uma solução, que eu não gostaria de adotar, seria deixar o transformador do lado de fora.
A outra, mais elegante, seria providenciar uma blindagem magnética para o dito cujo e ver se funcionaria.
Como eu sou um acumulador organizado, arranjei um transformador queimado que tinha uma blindagem na medida certa para acomodar o transformador que eu usei na fonte.
Feitas as devidas adaptações e o fantasma roncador foi definitivamente exorcizado.
Ainda não acabou
Até aqui tudo ia caminhando bem, mas (sempre tem haver um “mas”) ainda havia um probleminha a ser solucionado.
O galvanômetro que vemos na foto não estava funcionando e esta iria se mostrar, como veremos, uma encrenca das boas.
Trata-se de um instrumento de bobina móvel para 200 microampères em fundo de escala cuja função me pareceu ser funcionar como uma espécie de VU.
Seria legal se o ponteirinho se mexesse para manter o charme do aparelho.
Resolvi desmontá-lo para ver o que estava acontecendo e percebi que alguém antes de mim já tinha tido a mesma ideia, pois faltava um dos parafusos do gabinete de baquelita. Inspecionando as entranhas do galvanômetro descobri que a mola espiral que posiciona a agulha estava um pouco amassada e a bobina estava solta.
Tentei invocar meus possíveis antepassados chineses na esperança de conseguir recuperar o galvanômetro, mas acabei descobrindo que não devia ter ninguém com paciência de chinês nas minhas vidas passadas. Depois de algumas horas conclui que o jeito era desistir do reparo do galvanômetro.
Mas, eu não me conformava em deixar uma relíquia daquelas funcionando sem o charme de um ponteirinho balançando.
Voltei ao meu baú e encontrei esquecido por lá um galvanômetro que talvez pudesse ser adaptado no interior do gabinete do original.
Sou de uma época em que se aprendia a fazer trabalhos manuais na escola e acho que estas aulas me ajudaram muito a gostar e conseguir fazer artesanatos.
Infelizmente os trabalhos manuais viraram uma disciplina chamada artes que está no programa só pra constar uma vez que não cai nos vestibulares ou no ENEM.
Os professores de artes são poucos valorizados (ou melhor, mas desvalorizados que os outros) e currículo de artes, em alguns casos, virou um desenho geométrico “meia boca”. Enfim, nem uma coisa, nem outra.
Estou convencido que se perde muito tempo na escola estudando coisas sem nenhuma utilidade no mundo real e o essencial fica renegado ao segundo plano.
Desabafei!
Resolvi que iria fazer jus às habilidades que as minhas professoras de trabalhos manuais tinham ajudado a desenvolver em mim e fiz o que talvez seja o primeiro “transplante de galvanômetro” do mundo.
Vejam só como ficou.
A escala ficou fora do lugar, mas a ideia é manter o ponteirinho mexendo só para dar aquele toque vintage.
Acho que não é a toa que um dos meus programas favoritos da tv é “Mestres da Restauração”!
Até sempre.
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