Fontes chaveadas para principiantes – PARTE III/B

Fontes chaveadas para principiantes – PARTE III/B

Dando continuidade ao post anterior, da série Fontes Chaveadas para Principiantes, vou tratar agora dos MOSFET, como prometido.

Se você trabalha com reparação de produtos eletrônicos já sabe que os MOSFETs há muito tempo são os “queridinhos” dos projetistas de fontes chaveadas.

E aqui eu abro um parêntese para uma primeira pergunta: por que será que os MOSFETs e não os JFETs, estudados na parte A, são os “carros-chefes” das Fontes Chaveadas?

Enquanto você pensa na resposta eu já vou colocando no ar a segunda pergunta.

Para respondê-la vejas as figuras 1 e 2.

Fig.1 -MOSFET Modo depleção

Fig.1 -MOSFET Modo depleção

Fig.2 - MOSFET Modo enhancement

Fig.2 – MOSFET Modo enhancement

Se você teve infância e brincou do joguinho dos sete erros deve ter percebido que há uma diferença sútil, mas importante, entre elas.

Se não brincou, nunca é tarde e pode começar agora e para isso eu vou lhe dar uma ajudinha.

Claro que não estou me referindo ao sentido da seta que representa o gate, pois esta embora não deva ser novidade para você vale a pena usar o velho ditado “recordar é viver”.

Então, seta para dentro significa que Canal N e seta para fora é Canal P. Cuidado para não se confundir com os BJTs onde seta para fora é NPN e a seta para dentro é PNP.

E aí, já fez o joguinho dos sete erros?

Notou que na figura 1 a linha que representa o gate é continua enquanto na figura 2 é pontilhada.

Não pense que neste caso foi um erro de um desenhista descuidado, isso é feito de propósito porque os MOSFETs além de serem fabricados como Canal N ou Canal P como os JFETs, podem operar em dois modos diferentes os quais são denominado depleção ou enriquecido ou intensificado que é uma tradução aproximada para o termo enhancement que aparece nos data sheets.

Aliás, por falar em data sheet, às vezes, eles aparecerão assim: d-MOSFET e e-MOSFET. Claro que você já desconfiou o que o “d” e o “e” pretendem informar.

Antes de explicarmos qual a diferença no funcionamento de um modo ou do outro vamos logo adiantando que a simbologia da figura 1, com traço contínuo, refere-se ao modo depleção e, portanto qualquer gênio conclui que a figura 2 (traço pontilhado) só pode ser enhancement.

E daí, qual a importância de um simples mortal reparador de eletroeletrônicos saber esta diferença?

Dê uma olhadinha na figura 3 onde aparece um pedaço de um esquema de uma fonte chaveada de um TV LCD.

Fig;3 - Esquema de Fonte com desenho errado

Fig;3 – Esquema de Fonte com desenho errado

No destaque em vermelho vemos o desenho do transistor chaveador que neste caso é o FQP7N80 da Fairchild.

Pois bem, neste caso o desenhista “cochilou” e colocou um MOSFET Canal P (seta para fora) e modo depleção.
Se você se der ao trabalho para clicar no link acima verá que tem dois erros no desenho. Descobriu quais?

Aqui vai a cola: o primeiro e pior de todos é que deveria ser canal N e o segundo é que não poderia ser modo depleção como está lá e sim, enhancement.

Você seria capaz de dizer por que eu descobri que estava errado?

Simples. Porque eu sei como os MOSFETs funcionam.

E qual a importância de perceber este erro no caso de uma reparação?

Provavelmente não encontraremos o transistor original para substituir e teremos que recorrer a um substituto e a melhor forma de fazer isto, a meu ver, é a partir das características do original e procurar o que existe no mercado que melhor se encaixe nelas, mas para tal precisamos começar procurando um MOSFET Canal N modo enhancement que não é o que está no desenho.

Então, para que está na hora da entender qual a diferença entre um JFET e um MOSFET e também e esta história de depleção e enhancement, não é mesmo?

JFET verus MOSFET

A principal e mais importante diferença entre estes dois tipos de FETs é que o primeiro tem sua construção baseada numa junção p-n e o segundo tem a porta (gate) isolada do substrato o que faz aumentar consideravelmente a impedância de entrada que pode ficar entre 1010 e 1015 ohms.

Esta questão da altíssima impedância é um ponto para o qual o reparador deve estar muito atento porque torna o MOSFET altamente suscetível a “destruição” por uma descarga eletrostática proveniente dos seus dedinhos carregados eletricamente.

O problema da ESD é que ela é invisível, mas seu efeito pode ser devastador e eu ousaria dizer que pode ela ser a causa de muitos problemas durante a reparação naqueles conhecidos casos “estava funcionando, eu não fiz nada e agora não funciona mais”.

Por isso, quero deixar aqui duas recomendações muito importantes.

A primeira é quanto ao manuseio dos MOSFETs, o que já pode ser um problema na hora que você compra, pois o vendedor, muitas vezes, nem sabe que história é esta de ESD (pode até achar que você está falando de algum tipo de AIDS!).

A segunda recomendação diz respeito aos cuidados que devem ser tomados na hora de soldar o transistor:
• Usar pulseira antiestática,
• Ferro de solda isolado da rede elétrica,
• Começar a soldagem SEMPRE pelo terminal aterrado que, geralmente, é o supridouro (source).

Pode parecer um exagero da minha parte, mas prefiro ficar com os ditos populares que dizem “o seguro morreu de velhice e o desconfiado ainda está vivo” e “é melhor prevenir que remediar”.

Finalmente ainda falando das diferenças, o fato de ter a porta isolada do substrato faz com que os MOSFETs sejam dispositivos “mais interessantes” para aplicações digitais que “seus primos” mais velhos, os JFETs como veremos mais a frente.

Modo depleção versus enriquecido ou intensificado

Outra questão que precisa ser esclarecida sobre os MOSFETs é que, diferentemente dos JFETs, eles podem operar em dois modos diferentes como já foi mencionado de passagem anteriormente e agora será mais detalhado.

Afora o fato dos MOSFETs terem a porta isolada eles podem apresentar ou não uma construção parecida com os JFETs no que se refere à formação do canal entre dreno e supridouro.

Se a construção do MOSFET for similar a de um JFET com um canal “físico” entre o dreno o supridouro o MOSFET será dito operar no modo depleção.

Entretanto, alguns MOSFETs são construídos de modo que o canal será formado apenas graças a uma polarização aplicada entre gate e supridouro.

Grosso modo poderíamos dizer que o canal “não existe” até que se aplique uma tensão entre o gate e o supridouro e neste caso o MOSFET é dito operar no modo enriquecido ou intensificado.

E que diferença isto faz na prática?

Se o MOSFET operar no modo depleção, mesmo que não apliquemos nenhuma tensão entre porta e supridouro, ou seja, mesmo com VGS = 0 volt ainda assim teremos alguma corrente circulando entre dreno e supridouro e para levar o dispositivo ao corte precisaremos aplicar uma tensão entre porta e supridouro de modo a estreitar o canal. Por outro se invertemos a polaridade da tensão aplicada entre a porta e o supridouro a corrente ID poderá ser aumentada.

Observe que as curvas do MOSFET no modo depleção se assemelham a dos JFETs.

Acompanhe na figura 4.

Curvas de um MOSFET tipo depleçao

Curvas de um MOSFET tipo depleçao

Se olharmos atentamente a curva de transferência (a direita) notaremos que para VGS = 0V temos uma corrente de dreno de 5mA e que para cortar o MOSFET precisaremos aplicar uma tensão entre gate e supridouro maior que 6 volts e mesmo assim ainda continuará uma pequena corrente de dreno.

Vejamos agora a curva da figura 5 para um MOSFET operando no modo enhancement.

Fig. 5 - Curva de um MOSFET modo enshacement

Fig. 5 – Curva de um MOSFET modo enshacement

A esta altura do campeonato acho que você já se tornou um aficionado do joguinho dos sete erros como eu (isso deveria fazer parte do currículo das escolas) e está percebendo que o e-MOSFET já “nasce” cortado, ou seja, para que ele comece a conduzir será preciso aplicar uma tensão entre gate e supridouro.

Será que isto explica porque os projetistas preferem o e-MOSFET para fazer o papel de chaveador das fontes?

Vou dar uma dica.

Uma das características do “bom” chaveador é que quando ele está cortado não deixa passar nenhuma corrente (ou quase nenhuma) e para conduzir precisa de uma ajudinha que neste caso será a tensão aplicada entre gate e supridouro e neste caso o “prêmio” vai para o e-MOSFET.

Voltando a simbologia acho que agora você pode entender por que nos e-MOSFETs o canal é representado por uma linha pontilhada e nos d-MOSFETs por uma linha continua, não é mesmo?

Resumo da ópera (até aqui)

Os d-MOSFETs se comportam como uma chave normalmente fechada e necessitam de uma polarização VGS para abrir independentemente de ser canal N ou canal P.

Enquanto os e-MOSFETs se comportam de maneira oposta como acabamos de ver.

Tem mais uma coisinha interessante para se falar por aqui.

Os d-MOSFET podem operar no modo enhancement e isso pode ser percebido se olharmos novamente a figura 4, portanto não é impossível que se encontre alguns deles numa fonte chaveada, mas uma coisa é certa isso dependerá de como o projetista trabalhou a questão da polarização do gate e você não deve colocar um d-MOSFET onde originalmente havia um e-MOSFET, a menos que você altere o projeto original (o que eu não aconselho).

Dois parâmetros importantes e negligenciados nos MOSFETs

Em geral, quando um reparador precisa substituir um transistor seja lá de que tipo for sua primeira preocupação é o olhar tensão e corrente de cada um.

É claro que estes não deixam de ser parâmetros importantes, mas existem pelo menos mais dois parâmetros que não podem ser negligenciados na hora da pesquisa para encontrar um “substituto” digno de cumprir o seu papel.

No caso particular dos MOSFETS que estamos estudando precisamos estar atentos a resistência entre dreno e supridouro (RDS) e a capacitância de entrada, geralmente, expressa por Ciss e também aos tempos de chaveamento que já foram abordados no artigo aqui no site Como encontrar o substituto de um MOSFET.

Se a função do MOSFET na fonte é trabalhar como chave, então quanto menor a RDS melhor.

Por outro lado a capacitância de entrada irá influenciar na velocidade de chaveamento do transistor.

Se usarmos um substituto com valor de Ciss maior do que o original o circuito poderá até funcionar, porém com uma “velocidade” de chaveamento maior o que implicará em maior aquecimento e, no mínimo, seria preciso aumentar o tamanho do dissipador de calor para “quebrar o galho”.

Certamente as abordagens feitas neste artigo não costumam fazer parte dos treinamentos de reparos de fontes chaveadas nem tão pouco dos cursos técnicos e livros de eletrônica e a princípio talvez nem fossem necessárias se o papel do técnico reparador fosse apenas trocar peças e ver “que bicho vai dar”.

Os que me seguem há alguns anos sabem que não sou adepto desta linha, ainda mais vivendo num país (ou num mundo) em que encontrar a peça original e honesta é mais difícil, às vezes, do que encontrar agulha num palheiro e, portanto o técnico precisa “dar seu jeito” o que implica em possuir uma razoável base teórica.

É possível que alguma coisa tenha sido esquecida nesta abordagem que ora encerro sobre os MOSFETs, assim se alguém encontrar alguma coisa a mais, por favor, comente.

Até sempre

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

10 Comentários

  1. Valdenir Valentim Bastos

    Aconselho a todos que se aventurarem a reparar as fontes chaveadas, que tomem todo o cuidado utilizando todos os EPI’s. Inclusive óculos de proteção. Alem do perigo de choque elétrico também há o perigo de explosão de algum Mosfet. A explosão poderá projetar estilhaços afiados e ferir o técnico.

    • Paulo Brites

      O choque realmente pode ocorrer porque as fontes chaveadas tem o primário “vivo” como acontecia com alguns radios valvulados apelidados de rabo quente.
      Sempre recomendi que nunca se mexa em nada que envolva eletricidade descalço. Isso é mínimo de proteção que devemos ter.
      Quantos aos MOSFETS explodirem eu nunca passei por isso, mas tudo é possível.
      O óculos de proteção pode ser útil, às vezes, sem dúvida. Eu costumo usá-lo quando trabalho com a mini retifica.
      No meu e-book de fornos de microondas eu chamo muito a atenção para cuidados que devem ser tomoados.
      Previnir é sempre melhor que remediar como diz a sabedoria popular.

  2. Juvenal

    Parabéns pelo site Paulo. Você escreve uma matéria técnica com conhecimento de causa e num estilo temperado com humor na medida certa. Colaborando com você, menciono que, no texto do “fontes chaveadas… III/B”, na segunda recomendação, primeiro cuidado, está escrito “pulseira antiestética”. Para os iniciantes não darem tratos à bola… Paulo quis dizer “pulseira antiestática”. Apenas um erro material como dizem os advogados.

    • Paulo Brites

      Obrigado Juvenal É o “bendito” corretor do windows Vou corrigira a correção dele. Este material vai virar um mini e-book por este dias.

    • paulobrites

      Olá Morato, bem lembrado estes artigos são parte de um livro que eu acabei desistindo de escrever. Vou tentar dar continuidade
      Obrigado pelo “aviso”
      Abraços

  3. Rafael Paulino

    Depois que terminar a novela do novo e-book, deveria escrever sobre o ci 431 largamente utilizados nas fontes chaveadas.

    • paulobrites

      Olá Rafael
      Boa pedida, escrevo sim. tenho até alguma coisa por aqui de um curso que dei há muito tempo. Vou preparar
      Obrigado pela participação
      Abraços

      • Rafael Paulino

        E que as vezes eu tento usar esse ci 431 e seus resistores de polarização para calcular a tensão de saída da fonte onde ele e ligado,mas o calculo da certo em algumas fontes, outras não.

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