Coisas que todo técnico de eletrônica deveria saber sobre eletromagnetismo.

O eletromagnetismo é uma das áreas da física que eu considero mais difícil de entender, principalmente se quisermos tratar do assunto matematicamente, o que não será feito aqui nestas breves linhas, mas existem  coisas que todo técnico de eletrônica deveria saber sobre eletromagentismo.

Ficaremos no terreno das experiências, mas mesmo assim é preciso alguma dose de imaginação, ou aquilo que Einstein chamava de “realizar o experimento mental”, para se entender certos fenômenos “sobre naturais” do eletromagnetismo, que estão diretamente associadas ao funcionamento de indutores ou, como são mais conhecidos popularmente, as bobinas.

Entretanto, para “penetrar na alma” destes “fios enrolados”, que habitam os circuitos eletrônicos e, em particular, as fontes chaveadas, não podemos deixar de fazer um rápido tour pelo “país” do eletromagnetismo.

Uma das maiores descobertas científicas iniciadas por Michael Faraday no século XVII e mais tarde aperfeiçoada por outros gênios como Maxwell, Oersted, Henry, Lenz, e o maior gênio de todos, Nikola Tesla, só para citar os nomes mais relevantes, foi que magnetismo e eletricidade se “completam” e um é capaz de produzir o outro.

Em outras palavras, magnetismo produz eletricidade e eletricidade produz magnetismo, daí o termo eletromagnetismo.

Falando de imãs

Fig.1 Cachorrinhos da minha infância

Fig.1 Cachorrinhos da minha infância

Se você teve infância deve ter brincado com imãs (se não brincou libere a criança que tem dentro de você e brinque agora) e deve ter ficado intrigado como aquele “pedacinho de ferro” era capaz de atrair certos objetos e outros não

Ainda me lembro de dois cachorrinhos de plástico como uma base de “ferro” que se atraiam ou se repeliam dependendo da maneira como um era aproximado do outro e aquele brinquedinho me deixava curioso e querendo saber qual a “mágica” que estaria por trás daquele fenômeno.

Eu deveria ter cinco ou seis anos e só muito mais tarde descobri que aquele “ferrinho mágico” era um imã e tinha algumas propriedades interessantes.

Fig. 2 - Divisão de um imã

Fig. 4 – Divisão de um imã

Uma destas propriedades é que um imã sempre tem dois lados que são “diferentes” um do outro e tecnicamente são chamados de polos magnéticos: Norte e Sul que não devem ser confundidos com os polos geográficos da Terra.

Uma coisa interessante sobre os imãs é que nunca se sabe exatamente onde um polo termina e outro começa.

Assim, se você dividir um imã em dois, seja no meio ou não, obterá dois novos imãs (claro) cada um com seu “próprio” polo Norte e polo Sul. Se dividir de novo a “mágica” se repetirá indefinidamente.

Outra propriedade importante dos imãs é conhecida como Lei da Atração e Repulsão que diz, mais ou menos, o seguinte:

• Polos iguais se repelem.
• Polos diferentes se atraem.

Pensando bem esta lei é a mesma que trata das cargas elétricas e isso não é por acaso, mas porque no fim das contas cargas elétricas em movimento e magnetismo têm algo em comum.

Trocando em miúdos e voltando a minha infância, somente quando eu já estava no cientifico (era assim que se chamava o Ensino Médio, no “meu tempo”) é que descobri que era por causa desta lei que os meus cachorrinhos de plástico, colados sobre pedacinhos de imãs, ora se atraiam e ora se repeliam, logo o nome da mágica era ciência.

Se você ainda não percebeu o que estas coisas têm a ver com a Eletricidade e, por tabela, com a Eletrônica sugiro que continue lendo e certamente, daqui pra frente, sua vida de técnico não será mais a mesma e lhe permitirá exorcizar certos “fantasmas” que, às vezes, aparecem na sua oficina.

Usando uma bússola para entender o eletromagnetismo

Fig. 3 - Bússola

Fenômenos da Natureza como o magnetismo sempre foram revestidos de uma áurea de misticismo e, muitas vezes, aproveitados pelos espertos para iludir os incautos.

Alguém se lembra da moda da “pulseira magnética” dos anos 80?

A primeira aplicação prática dos imãs parece ter sido a bússola, cuja “invenção” é atribuída aos chineses (tinha que ser chinês?) e que inicialmente era um mero “joguinho de adivinhação”.

Fig.3 - Bússola e Lâmpada de 12V

Fig.3 – Bússola e Lâmpada de 12V

Sugiro que você compre uma bússola num camelô (pode se Made in China mesmo) e também uma lâmpada de 12V – 20W (farol de carro, por exemplo) e faça as experiências a seguir (lembre-se que a melhor maneira de aprender é fazendo, aliás foi assim que eu aprendi e continuo aprendendo).

Você também vai precisar de uma fonte DC para acender a lâmpada e que seja capaz de fornecer pelo menos 2A. Ah! Um amperímetro também.

Primeiro ligue a lâmpada à fonte e coloque o amperímetro para monitorar a corrente.

Coloque o fio esticado debaixo da bússola e note o deslocamento da agulha da bússola em relação à posição de repouso. A seguir desligue a lâmpada e perceba que agulha da bússola volta para a posição inicial.

Fig. 4 - Búsola fio por baixo

Fig. 4 – Búsola fio por baixo-min

Agora religue a lâmpada e passe o fio por cima da bússola e você notará que agulha se move para o outro lado.
Com estas experiências chegamos a duas conclusões importantes.

Fig 5 - Bússola com fio por cima

Fig 5 – Bússola com fio por cima

Se a agulha da bússola se moveu só pode ter sido por causa da presença de um campo magnético próxima a ela donde se conclui que a corrente elétrica no fio produziu um campo magnético em torno dele.

A segunda conclusão que podemos tirar deste experimento é que o campo magnético não se espalha aleatoriamente pelo espaço e sim fica circulando em volta do fio por onde está passando a corrente elétrica, por isso o comportamento diferente da agulha em cada uma das situações.

Fig.6 - Linhas de campo magnético

Fig.6 – Linhas de campo magnético

Na figura 6 as linhas verdes representam os campos magnéticos invisíveis em torno do fio.

Faça outros experimentos, como diminuir a tensão aplicada à lâmpada a fim de diminuir a corrente no fio, inverter a polaridade da fonte o que significa inverter o sentido da corrente e finalmente afastar e aproximar o fio da bússola.

Enfim, seja curioso e observe os resultados.

Tenho certeza que depois de fazer estas experiências, e seria muito importante que as fizesse, você irá “respeitar” mais a posição como alguns fios estão colocados num circuito em certas situações.

Fig. 7 fio torcido-min

Fig. 7 – Fio torcido-

A próxima experiência será torcer os dois fios que alimentam a lâmpada e aproximá-los da bússola observando que a agulha não se moverá.

Por que isto aconteceu, ou seja, a agulha da bússola não se mexeu quando você torceu os fios embora ainda estivesse passando corrente neles?

Que tal arriscar dizer que deve ser porque o campo magnético em torno do fio energizado “sumiu”?

Mas como “sumiu”, se ainda temos corrente passando nos fios?

Analisemos esta hipótese do “sumiço do campo magnético” com mais profundidade e para isso precisaremos pensar em uma coisa chamada “sentido do campo magnético”.

No caso da corrente elétrica sabemos que o sentido da corrente é dado pelos polos da fonte que a produz.

Existem duas maneiras de definir o sentido da corrente, uma chamada de convencional que vai do polo positivo para o negativo e outra denominada eletrônica e que vai do polo negativo para o positivo.  É mais ou menos como definir a mão dos carros no trânsito.

A nossa “mão” é diferente da usada na Inglaterra, por isso lá o volante fica do lado direito.

Voltando ao campo magnético, uma maneira prática de se saber qual o sentido do campo magnético em torno de um fio é usando a Regra da Mão Direita, isto se estivermos trabalhando com corrente convencional, ou seja, do positivo para o negativo.

Se quisermos trabalhar com corrente eletrônica é só usar a mão esquerda, dá no mesmo.

Veja a figura 9 e entenda a regra da mão direita.

Fig. 9 Regra da mão direita-

Fig. 9 Regra da mão direita-

Vamos entender como se comporta o campo em cada um dos fios que estão ligando a lâmpada à fonte.

Fig. 10 Simbologia do sentido da corrente

Fig. 10 Simbologia do sentido da corrente

Para facilitar nossa análise imaginemos uma seção reta do fio (corte perpendicular ao fio) e simbolizemos esta seção por um círculo com um pontinho no centro quando a corrente está entrando no fio e com um X quando estiver saindo.

Agora veja na figura 11 como fica o sentido do campo magnético em cada fio. Observe que eles se opõem o que fará que eles se anulem.

Fig. 11 - Sentido do campo no fio torcido

Fig. 11 – Sentido do campo no fio torcido

Tá aí a explicação para o “sumiço” (nada de fantasmas), os campos não sumiram apenas se anularam e o efeito provocado por eles é que “sumiu”.

Se você quiser se aprofundar mais neste assunto (e acho que deveria) sugiro que procure na Internet por Experiências de Oersted.

Espero que até aqui este blábláblá tenha servido, em outras coisas, para você saber que ao encontrar fios torcidos em algum circuito não deve separá-los (pelo menos até que a morte “do aparelho” os separe!).

Talvez o projetista tenha tido um motivo para enrolar os fios já que isto dá mais trabalho que deixa-los soltos, você não acha?

Produzindo uma corrente elétrica com um campo magnético

No parágrafo anterior “desenterramos” Oersted e aprendemos com ele que uma corrente elétrica produz um campo magnético, mas será que um campo magnético poderá gerar uma corrente elétrica?

O que acontecerá se colocarmos um fio condutor de eletricidade enrolado em forma de anel, imerso em um campo magnético, ou seja, em um imã e providenciarmos uma maneira de fazer um movimento relativo entre os dois?Em 1831, Michael Faraday teve esta ideia e demonstrou os resultados na Royal Society de Londres estabelecendo uma lei que ficou conhecida como Lei de Faraday.

Fig. 12 - Lei de Faraday-min

Com este experimento Faraday demostrou que seria possível produzir um campo elétrico e por consequência uma corrente elétrica a partir de um campo magnético, mas com uma condição, que houvesse um movimento relativo entre eles.

Concluía-se assim, o “casamento” definitivo da eletricidade com o magnetismo.

Para realizar a experiência de Faraday eu utilizei o enrolamento de um transformador sem o núcleo e um imã de neodímio retirado de um HD fora de uso e um micro amperímetro bem sensível.

Fig. 13- Experiência de Faraday

Fig. 13- Experiência de Faraday

O ideal seria usar um micro amperímetro com zero no centro para perceber que haverá uma inversão no sentido da corrente a medida que o imã entre e sai da bobina.

Isto acontece porque o campo magnético do imã fará aparecer um campo magnético na própria bobina que é o responsável pelo movimento dos elétrons nela, isto é, a corrente elétrica.

Ao afastarmos o imã o campo magnético tenderá a desaparecer mais relutará em fazê-lo como uma espécie de inércia.

Inércia – se um corpo está em repouso permanecerá a menos que uma força aja sobre ele, mas se está em movimento permanecerá em movimento até que “alguma coisa” interrompa o movimento, por exemplo, um poste no caminho!

Se imediatamente voltarmos a aproximar o imã da bobina o campo magnético reaparecerá.

Poderíamos fazer ao contrário, ou seja, manter o imã parado e movimentar a bobina e o resultado seria o mesmo.

O importante é que haja um movimento relativo entre o campo magnético (imã) e a bobina para que se possa gerar uma corrente elétrica.

Outro fato que merece destaque nesta experiência é que a corrente elétrica gerada não será continua como a produzida por uma bateria.

A corrente cresce num sentido a medida que o campo magnético vai aumentando e depois começa a diminuir a medida que ele vai diminuindo, em seguida inverte de polaridade recomeçando a crescer e decrescer neste novo sentido. Isto é claro se o movimento de vai e vem entre o imã e a bobina for mantido.

Fig. 14 - Senoide

Fig. 14 – Senoide

Se fizermos este movimento de forma cíclica, ou seja, repetitiva e bem precisa e construirmos um gráfico que represente a variação da corrente elétrica que aparece na bobina em relação ao tempo ele teria o aspecto mostrado na figura 14 e qualquer semelhança com aquilo que os matemáticos chamam de senóide não é mera coincidência e sim por que a Natureza “ama a senóide”.

Um fato importante que deve ser apreendido desta experiência e a corrente elétrica produzida por um campo magnético variável NUNCA será uma CORRENTE CONTINUA.

Da teoria para a prática

Maxwell dizia “que nada é mais prático que uma boa teoria” e eu concordo plenamente com este pensamento.

Se você souber como uma coisa funciona você será capaz de consertá-la caso pare de funcionar ou então irá precisar de muita sorte. É o conhecido “chutômetro” e quem o pratica não pode nem deve ser chamado de técnico e sim, na melhor das hipóteses, de curioso.

Não quero com isso dizer que a curiosidade não seja importante e até defendo que devemos cultivá-la, principalmente nas crianças, mas é preciso não exagerar.

Voltando ao tema título do post Coisas que todo técnico de eletrônica deveria saber sobre eletromagnetismo, após esta rápida abordagem “filosófica”, as duas aplicações práticas imediatas desta teoria foram a construção dos geradores de corrente alternada e dos motores elétricos sobre os quais não irei discorrer aqui porque não é nosso foco principal.

Interessa-me sim, falar dos transformadores, pois estes sempre estão presentes nos equipamentos eletrônicos.

A abordagem não será profunda até porque este post já está ficando comprido demais.

Vou me prender ao principio básico de funcionamento dos transformadores para poder falar de um “tipo” especial que é “convidado” obrigatório em toda “festa” que a fonte chaveada está presente: o chopper.

Uma coisa que precisa ficar definitivamente clara é que um transformador só funciona se aplicarmos ao seu primário uma corrente variável e, o mais usual é aplicar uma “corrente” alternada.

Entretanto, no caso das fontes chaveadas não aplicamos uma “corrente” pulsante oriunda do sistema de chaveamento e aqui temos uma diferença crucial entre o transformador convencional e o chopper.

No caso do transformador convencional a corrente, embora seja variável, porque é senoidal, flui o tempo todo pelo primário e produz nele um campo magnético que ao “abraçar” o secundário faz surgir nele também um campo magnético que, como já vimos, produz nele uma corrente que também senoidal.

O chopper opera de maneira diferente. Enquanto a tensão aplicada ao primário, que neste caso é continua, está presente não há indução de corrente no secundário.

Quando a tensão aplicada ao primário é interrompida o campo começa a entrar em colapso e induz um campo magnético no secundário que faz aparecer uma corrente nele.

Antes que o campo magnético do primário cesse é preciso fornecer corrente novamente a ele e cortar o fornecimento de corrente para que volte a haver indução.

Aqui temos um fenômeno curioso, na verdade o chopper trabalha quando “está descansando”, ou seja, quando a corrente no primário é interrompida e não quando está presente.

A importância do sentido do enrolamento das bobinas

Não posso encerrar este post sem fazer algumas considerações relevantes sobre o sentido dos enrolamentos das bobinas, em particular, nos transformadores.

Se você entendeu direitinho o que foi explicado sobre a regra da mão direita (ou esquerda) não terá dificuldade em entender o que vem agora.

O caso clássico para ilustrar este item é a ligação dos fios do primário de um transformador com quatro fios.

Uma explicação detalhada será encontrada clicando no link acima e razão para, às vezes, ao fazer esta ligação de forma errada e queimar o transformador esta relacionada ao sentido dos enrolamentos de cada uma das bobinas.

Como vimos, lá atrás, no exemplo do fio enrolado, um campo magnético anula o outro e aí se as bobinas forem ligadas em paralelo sem que se respeitem os sentidos dos enrolamentos findamos por provocar uma espécie de curto circuito por inversão de fase.

Para que não paire nenhuma dúvida é bom que fique claro que o termo “fase” que usei aqui não se refere à rede elétrica e sim ao deslocamento de uma senóide em relação a outra.

Se você tem alguma dúvida sobre isto sugiro a leitura do meu post A trigonometria na Eletricidade e na Eletrônica.

Considerações finais

Espero ter contribuído com informações relevantes, principalmente para o técnico reparador, a cerca de questões importantes do eletromagnetismo e muitas vezes negligenciadas na maioria dos livros básicos.

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Até sempre

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

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