Cuidado ao tentar “construir” um transformador de isolamento.

Cuidado ao tentar “construir” um transformador de isolamento.

Este post surgiu de uma observação feita por mim ao tentar “construir” um transformador isolador ligando dois transformadores iguais, secundário com secundário ou back-to-back como dizem os gringos.

Estou pesquisando projetos para fontes de testadores de barramentos de leds de tvs, em face a algumas perguntas que me foram feitas sobre o tema.

Existem vários projetos sobre o assunto rodando na Internet, mas uma coisa que me desagrada, na maioria deles, é a falta de isolamento entre a rede elétrica e a tensão de saída que será manipulada pelo técnico quando estiver testando um barramento.

Num dos projetos o autor “resolveu” o problema ao tentar construir um transformador de isolamento ligando os secundários de dois transformadores iguais a fim de isolar a rede da saída fonte como se vê na figura abaixo e também obter uma tensão de 220V caso a rede seja de 127V.

Ligação de dois transformadores back-to-back

Ligação de dois transformadores back-to-back

Em princípio a ideia parece funcionar, não importando qual a tensão do secundário com tanto que T1 e T2 sejam iguais.

Vamos ver o resultado na “vida real” com dois transformadores de secundários 12+12 para 940mA.

Etiqueta mostrando os parâmetros do transformador

Etiqueta mostrando os parâmetros do transformador

Para comprovar que os transformadores eram confiáveis e o que estava escrito na etiqueta era verdade liguei cada um deles à rede e coloquei um resistor de carga no secundário que “puxou” um pouco mais que 1A e mesmo assim a tensão no secundário ficou em 23V onde deveria ser 24V. Nada mal, considerando que a corrente da carga era um pouquinho maior.

Tensão no secundário com carga resistiva

Saída de um trafo com carga

O próximo passo seria ligar os dois trafos back-to-back e verificar se eu iria obter 127 ou 220V no secundário do T2 como parecia ser o esperado.

Aproveitei para medir a tensão nos secundários que estão ligados em paralelo e obtive 29V o que estava correto, pois estávamos sem carga.

A tensão no enrolamento de 220V do secundário de T2 deu 243V.

Tensões nos trafos ligados back-to-back sem carga

Tensões nos trafos ligados back-to-back sem carga

Até aí estamos indo bem.

Parecia que a “teoria” de ligar dois transformadores back-to-back para “construir” um transformador de isolamento funcionava mesmo.

Coloquei então uma carga de 330 ohms no secundário de 220V de T2 que deveria “puxar” 660mA de acordo com a Lei de Ohm e, portanto abaixo da especificação que é 940mA.

E veja na figura abaixo o que aconteceu.

Tensões nos trafos ligados back-to-back com carga

Tensões nos trafos ligados back-to-back com carga

A tensão no secundário que deveria ser de 220V (e sem carga era 243V) caiu drasticamente para míseros 87V e obviamente a tensão nos secundários em paralelo despencou de 29V para 17,4V.

A Lei Ohm continuou funcionando (ainda bem) uma vez que 87V dividido por 330 ohms dá 0,263A, o que não funcionou foi a ideia de que a tensão se manteria em 220V como esperado supostamente.

Aqui é bom informar que tive o cuidado de verificar se o problema não estava ocorrendo por conta de defasamento na hora de interligar os dois secundários, o que foi feito invertendo a posição dos fios de um enrolamento em relação ao outro.

E agora você para, pensa e pergunta: onde foi que eu errei?

Por que na prática “a teoria é outra”?

Bem, para início de conversa, eu não concordo com este pensamento.

Teoria e prática caminham juntas e se em algum momento nos parece que elas se separaram, uma de duas: – ou construímos uma teoria errada ou não estamos sabendo interpretá-la.

Todo resultado prático deve ter uma explicação teórica, senão deixa de ser ciência e passa a ser bruxaria.

E foi com esta convicção que resolvi me dedicar ao problema e tentar encontrar uma resposta.

Comecei com uma pesquisa na Internet para ver se alguém já havia passado pelo problema e encontrado a solução.

Não encontrei nada, pelo contrário encontrei gente recomendando a ideia dos transformadores back-to-back para tentar construir um transformador de isolamento.

Só posso acreditar que não fizeram medidas para constatar que a ideia não funciona muito bem.

Tentando mostrar que a cabeça além de separar as orelhas serve também para pensar, levantei algumas hipóteses.

Uma das que me pareceu mais plausível foi lembrar do conceito de carga refletida num transformador ( bem conhecido dos técnicos do tempo dos amplificadores válvulados).

Quando colocamos uma carga no secundário de um transformador ela é refletida ao primário e assim, altera a impedância do primário.

Cálculo da impedância refletida num transformador

Cálculo da impedância refletida num transformador

Num transformador ideal, que não é o caso, mas tomarei como aproximação, a impedância refletida do secundário para o primário é calculada multiplicando-se a impedância de carga pela relação de espiras do transformador elevada ao quadrado e é aqui que “o bicho começa a pegar”.

Como T2 está sendo usado como um transformador elevador de tensão, no caso de 24 para 220, sua relação de espiras Ns/Np será 220/24 o que dá aproximadamente 0,1.

Aqui talvez caiba uma observação complementar, um transformador construído como abaixador de tensão não deve ser usado como elevador que está sendo feito com T2.

Voltando às contas, quando 0,1 for elevado ao quadrado, para encontrarmos a impedância refletida,  passaremos a ter 0,01 o que faz impedância refletida do secundário para o primário se tornar um valor muito baixo.

Este valor de impedância entrará em paralelo com a bobina de 24V de T1 e por consequência fará com que a tensão no secundário de T1 caia arrastando a tensão no secundário de T2 para baixo como vimos na medição prática.

Entretanto, a adaptação poderá até funcionar se a carga consumir uma corrente muito baixa o que significa uma impedância muito alta eu mesmo já a utilizei uma vez num experimento com um amplificador valvulado para alimentar as placas de duas válvulas, mas o consumo era, se bem me lembro, em torno de 15 ou 20mA.

É bem possível que as pessoas que tentaram esta solução tenham medido a tensão obtida no secundário de T2 sem colocar uma carga e encontraram o que queriam, mas quando se coloca uma carga um pouquinho maior a coisa muda de figura.

Esta foi a explicação que me pareceu viável para justificar a diferença entre os resultados entre a “teoria” e a prática, ou seja, o deveria acontecer sob um olhar teórico mais apressado. É possível que o assunto levante polêmicas e se alguém tiver outra ideia e quiser e puder provar que eu estou errado sou todo ouvidos e aguardo os comentários.

Finalmente, concluo dizendo “Cuidado, ao tentar construir um transformador isolador” ligando dois transformadores back-to-back e ainda bem que na prática a teoria é a mesma!

 

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

22 Comentários

  1. Silvio Cesar Ehlert

    Bom dia Prof. Paulo Brites!
    Sou seu fã desde seus artigos na “Antenna/Eletrônica Popular” e, sempre que posso, continuo apreciando e aprendendo com seus excelentes artigos no seu “site” e nas novas edições da “Antenna”.
    Quanto a e neste artigo, acho que houve um pequeno cochilo: A corrente máxima de 940mA parece ser para o enrolamento de 24V.
    Assim, para o enrolamento de 220V, considerando eficiência dos transformadores de 100%, a corrente máxima seria de 102mA:

    V1.I1 = V2.I2
    I1 = V2.I2/V1
    I1 = 24V . 0,94A / 220V
    I1 = 0,102A

    Portanto o mínimo valor da carga aplicada nos 220V do back-to-back seria de R1=220V/0,102A = 2157 ohms. Ou de outra forma, para alimentar 330 ohms e 940mA, os trafos teriam que ter, no mínimo, a potência de 330.(0,94)^2 = 292W. Que acha?

    Um forte abraço, até sempre!
    Silvio Ehlert

    • Olá Silvio
      Muito obrigado pelo seu comentário. Dei uma lida rápida e me parece que você tem razão.
      Assim que tiver um tempinho vou refazer a experiência e mostrar os “novos” resultados num artigo do Caçando Gatos.
      Abraços e até sempre.

  2. armindo fabio rocha costa

    Excelente artigo, mestre Paulo. Elucidativo pra caramba. As contribuições também são muito boas, sobretudo a de Roberto Amaral. Grato ao senhor, Paulo, e sucesso!

    • Paulo Brites

      Obrigado Armindo
      A participação do leitor para mim é muito importante.

  3. NELSON PEREIRA DE OLIVEIRA FILHO

    olá professor Paulo,

    Ótimo artigo e agradeceria uma orientação para a seguinte dúvida:
    Tenho apenas conhecimentos básicos de eletrônica ( quando adolecente fiz um curso por correspondência), e pretendo montar um circuito de armadilha eletrônica para baratas onde pede um transformador de isolamento mas não dá nenhuma especificação técnica sobre ele.
    o projeto está no link http://blog.novaeletronica.com.br/armadilha-eletronica-para-baratas/

    O senhor poderia me orientar sobre qual o modelo adequado para o projeto?

    muito obrigado!

  4. Aldori Macedo

    Ola Professor Paulo.
    Estou pensando em fazer um teste aqui com um trafo de microondas, baseado na idéia de um auto-trafo 110/220.
    Se no MOT eu alimento com 220V o primário e obtenho 2000 Volts no secundário então o que me impede de alimentar 220V no secundário para obter 1/10 disso no outro ( aprox 20V ) e então retificar para CC e usar como fonte de alta corrente ? Grato .

    • Paulo Brites

      O único problema é o secundário embora de lata tensão é para baixa corrente. Ligar invertido não vai funcioanr

  5. Roberto Amaral

    Voltei,

    agora com um pouco mais de tempo para palpitar sobre o “problema” , me dei conta que o VA (leia-se vê A) (Volt ampere) do trafo, ou seja, sua potencia aparente é de aproximadamente 23VA , pois para uma corrente de 1A ele fornece 23V. Essa potencia é compartilhada entre primário e secundário de forma nominal. Então o secundário de T2, nominalmente só consegue fornecer a potencia de 23VA , que para uma tensão de 220V significa que a corrente máxima fornecida será de 104mA (220 * 0,104 = 23VA) . Se optar para ligar T2 em 120V então a corrente máxima será de 191mA : (120 * 0,191 = 23VA) . Logo não dá nem pra ligar um ferro de 30W que vai exceder a potencia nominal dos transformadores. A solução seria “casar” dois transformadores com um VA igual ou superior a 30, por exemplo, dois de 18V 2A. VA de 36 . Lembrando que os transformadores usados na sua experiência, são de 940mA para o secundário a 24V = 0,940A*24V=22,56VA , sendo que no primário a corrente do será de 22,56/120 = 188mA para 120 e 22,56/220 = 102mA para 220V. Em ambos os casos com o transformador sob carga nominal.

    • paulobrites

      Olá Roberto
      É exatamente por ai. Quando se fala em transformador tem que usar VA Assim que eu tiver um tempo vou escrever um artigo sobre isso, pois é um tema bastante interessante.
      Estou focado em terminar um livro de eletrônica e como estou na reta final não quero me dispersar em outros assuntos.
      Mais uma vez obrigado pela colaboração
      Abraços

  6. Roberto Amaral

    Olá Brites,

    interessante o circuito, simples e ao mesmo tempo complexo. Já havia pensado em fazer este tipo de montagem, mas nunca me havia dado conta desse inconveniente. Sem me aprofundar muito, creio que a energia reativa entre o T1 e T2 pode ser o problema das perdas quando o circuito é colocado em pratica, alterando o fator de potencia entre os dois transformadores que tendem a 0,5 indutivo. Talvez , sintonizando um C em paralelo aos dois trafos, obtenha-se um resultado mais animador do ponto de vista da aplicação prática. No SEP é comum o uso de capacitores para correção do fator de potencia em circuitos puramente indutivos.

    Um abraço, assim que der vou tentar reproduzir o experimento.

    • paulobrites

      Muito obrigado pela participação Faça a experiência e conte pra gente
      Abraços

    • paulobrites

      Prezado “Eu”
      Obrigado por participar.
      Quanto a sua pergunta a ideia não foi fazer um estudo teórico tão minucioso, porque isto fugiria a interesse da maioria dos leitores do site. O link que você deixou parece interessante (vi por alto), mas muita gente não irá acompanhar porque está em inglês e a tradução via Google, às vezes, atrapalha mais do ajuda.
      Eu quis chamar a atenção para o problema de uma forma mais prática.
      Acho quando os leitores comentam, como você fez, porque serve de “termômetro” para mim. Poso sentir a “temperatura” dos meus leitores e ver se vale a pena levar mais o nível dos posts.
      Um forte abraço e continue participando.
      Paulo Brites

  7. Olá Paulo, essa solução é adotada em todos os preamp valvulados que a china vende, e sim,,, a carga é pequena , pra a oficina que tem de lidar até com micro-ondas eu colocaria dois parrudos de fontes de carregador de baterias de carro ou de bateria de empilhadeira elétrica,.. de 12V x 50A (minimo) ou 200 A. afinal, o custo da segurança é pequeno diante do retorno que oferece.
    Cordiais sds.

    • paulobrites

      Olá Joelsio
      Muito obrigado pela participação e comentários. Concordo com a sua solução, mas ela é para um caso particular e supostamente numa oficina teremos espaço para colocar estes trambrolhões o que não é o caso de um equipamento para venda.
      Abraços

  8. rudemir viana

    ola paulo brites, estou com um trafo que serve para som automotivo, sua função é carregar a bateria e manter o modulo do som alimentado. bom estou com algumas duvidas sobre ele, ele tem so enrolamento secundário ou suas aspiras no mesmo núcleo do primário, enfim sendo assim não consegui ainda descobrir onde entra a tensão de entra. pois a tensão de saída que é 12v + 12v eu consegui identificar o resto esta obscuro. outra dica ele só tem fios em um lado do enrolamento e no entro lado existe um resistor de fios ligados em paralelo com dois capacitores de filtro de linha e os capacitores ligados em serie, um dos fios do enrolamento estão ligados ao resistor e os capacitores o resistor tem 5k, os capacitores um tem 000,10 e uma faixa de tensão 100v outro tem 002,2 e tensão na casa 220v, se meus conhecimentos estao certos esses terminais de ligam a rede de 110v e 220v, por uma chave seletora de tenção, como a bulbina em si tem 5 pontas a primeira da esquerda para direita esta para o neutro da rede e a ultima onde esta ligada o capacitores e o resistor de fios que se ligam a rede, ja que as pontas restantes a segunda da esquerda para direita esta ligando a placa do cirtuito impresso de -12v a terceira para a saida do modulo e bateria de +12 e a quarta para ligar o circuito impresso de +12v e a ultima ponta se liga ao resistor e os capacitores de entra da fonte.

    • paulobrites

      Olá Redemir
      Achei um pouco confusa a sua descrição Tente fazer um desenho e me mandar para contato@ac14008-04537.agiuscloud.net
      Em princípio, me parece tratar-se de um auto transformador, mas não entendi, sinceramente, qual a sua dúvida ou que pretende fazer. Vou deixar o comentário aqui, para ver se algum leitor se habilita a responder.

  9. edvaldo garcia

    afinal para que serve esse trafo isolar a rede contra interferencia da rede,,,

    • paulobrites

      Olá Edvaldo
      Muito boa sua pergunta. O transformador de isolamento nos dá no secundário duas fases que não estão mais referenciadas a terra nem ao neutro da rede. Isto é muito útil quando trabalhamos em reparação de equipamentos eletrônicos. Brevemente farei um artigo sobre o tema.
      Abraços

  10. Jaime Moraes

    Algumas vezes já vi uma “receita ” para transformadores de isolamento, utilizando transformadores com dois enrolamentos primários ( 110 / 220 ). A coisa funciona, claro, porém o isolamento e bastante precário, podendo surgir falhas devido ao fato de que os enrolamentos são feitos sem isolação entre as camadas. Confiar apenas no isolamento do fio esmaltado é um tanto temeroso.

    • paulobrites

      Mais uma vez obrigado, Jaime por trazer sua contribuição.
      Esta uma questão que também deve ser levada em conta. Em última analise, cada macaco no seu galho.
      Abraços
      Paulo Brites

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