Por que usar linha de 70 volts?

Por que usar linha de 70 volts?

Objetivo deste artigo é discorrer um pouco sobre sistemas de sonorização e explicar o que é e porque usar linha de 70V, também conhecida como “tensão constante”.

Imagine que você é chamado para instalar nove alto falantes, por exemplo, em uma pequena loja ou escritório.  Certamente você não irá colocar todos em paralelo porque a impedância final cairia para menos de um ohm o que acarretaria a queima do amplificador em pouco tempo.

Pensa daqui, pensa dali e você resolve usar a configuração da fig.1.

FIG.1 - Distribuição de alto falantes

FIG.1 – Distribuição de alto falantes

Será que vai funcionar?

Se você pensar apenas sob o ponto de vista do casamento de impedância pode-se até dizer que sim.

Cada linha com três alto falantes de 8ohms em série produzirá uma impedância total igual a 24ohms (8+8+8).  Como temos três conjuntos de 24ohms em paralelo passamos a ter 24 ÷ 3 = 8ohms.

Chegamos ao conjunto que irá fornecer 8ohms de carga ao amplificador, simples assim!

Afinal você sabe que a melhor transferência de potência ocorre quando a impedância da carga, no caso os alto falantes, é igual a impedância de saída do amplificador que neste caso estou supondo que seja 8ohms, pois é o que ocorre com a maioria deles.

E se um dos alto falantes abrir?

Duas consequências imediatas irão ocorrer.

A primeira é a linha onde está o alto falante que abriu irá ficar sem som porque temos três alto falantes em série em cada linha e no circuito série se um elemento “abre” (alto falante, nos caso) não temos mais corrente circulando.

Como segunda consequência, com um alto falante aberto a impedância do conjunto irá subir de 8 para 12 ohms  (24 ÷ 2) e por conseguinte teremos um descasamento de impedância acarretando uma alteração na potência fornecida pelo amplificador ao conjunto. Ainda bem que a potência não vai aumentar e sim, diminuir não sobrecarregando a saída do amplificador.

Pior seria se um alto falante entrasse em curto porque a impedância cairia abaixo de 8ohms fazendo o amplificador fornecer uma potência maior que a sua especificação com a consequente sobre aquecimento dos transistores ou CI de saída.

Se você ainda acha que este é um problema menor e dá pra jogar com a sorte esperando que nenhum alto falante abra ou entre em curto, eu até posso concordar, caso você não esteja muito preocupado com a reclamação do cliente e tenha que voltar para atender a garantia, porque o maior problema é que o sistema, mesmo com todos os alto falantes funcionando, apresenta uma péssima distribuição de potências. Serviço de amador, não de profissional.

Uma distribuição de som de boa qualidade deve permitir que a potência sonora pré-estabelecida para cada alto falante do sistema não seja afetada caso um ou mais alto falantes saia de operação ou até mesmo se necessite acrescentar mais algum ao conjunto e para resolver isto é que foi “inventada” a linha de 70V ou de tensão constante que será objeto deste artigo.

Quando tudo começou

A preocupação com a qualidade do som dos sistemas de distribuição de alto falantes é muito antiga e começa no final de 1920 tornando-se um padrão nos Estados Unidos em 1949 o qual foi denominado, incialmente, de “tensão constante”.

Evidentemente que a melhor maneira de se ligar um alto-falante a um amplificador é fazendo-o diretamente, mas isto só se torna viável quando temos uma ou duas caixas relativamente próximas ao amplificador, ou seja, um sistema doméstico.

À medida que precisamos ligar mais alto falantes esta ligação precisa ser repensada e o método de distribuição de tensão constante usado para distribuição de sistemas sonoros nasceu pegando carona no que já era feito para distribuição de energia elétrica.

Precisamos ter em mente um conceito que, às vezes, fica esquecido, que uma concessionária de energia elétrica  na verdade não fornece tensão e sim, “potência”.

Em outras palavras 100 watts, por exemplo, tanto pode ser 10 volts vezes 10 ampères como 100 volts vezes 1 ampère, só que no segundo caso ao aumentarmos a tensão passamos a ter uma corrente menor o que é muito conveniente quando falamos em longas distâncias, pois podemos usar fio “mais fino” que além de mais barato é mais fácil de manusear.

É aqui que está o “pulo do gato” (sem nenhuma alusão aquele outro tipo de gato tão comum em algumas instalações elétricas por aí).

Aproveitando para abrir um parêntese e justificar a vantagem da alimentação em 220V sobre 127V que é poder usar fio mais fino e não, obter uma “conta de luz” mais barata como muitos pensam (e dizem).

Por isso a distribuição de energia elétrica começa com tensões elevadíssimas ao sair da geradora e vai baixando ao longo do caminho até chegar a nossas casas com valores mais baixos.

Para que não paire nenhuma confusão o termo tensão constante usado em áudio para distribuição sonora não deve ser confundido com fonte de “tensão constante” e de “corrente constante” que é outra coisa.

Diz-se que uma fonte é de tensão constante quando a tensão não varia, independentemente da corrente solicitada, assim como numa fonte de corrente constante quem fica invariável é a corrente.

No caso do áudio, um amplificador de tensão constante produzirá sua potência máxima quando a tensão de saída atingir um valor específico.

Por exemplo, um amplificador especificado para 200W com saída para 70V irá fornecer 200W quando a tensão de saída atingir 70V o que implica que a linha de distribuição para os alto falantes permanece constante em uma ampla faixa de impedâncias.

Finalmente a linha de 70V

Embora o valor 70V (na verdade 70,7 que é o valor RMS de 100V) seja o mais comum de se encontrar por aqui, existem outros “padrões’ menos conhecidos  como 25V, 50V e até 100V, este último usado na Europa e também na Austrália de acordo com as pesquisas que fiz sobre o assunto.

Se você não está familiarizado com este assunto aqui vai a primeira informação útil: – o sistema só poderá ser utilizado com amplificadores que disponibilizam a saída de 70V como o exemplo mostrado na fig.2.

FIG.2 - Terminais de saída de um amplificador com linha de 70V

FIG.2 – Terminais de saída de um amplificador com linha de 70V

 Nunca é demais lembrar que o borne marcado como 70V na fig.2 não quer dizer que você irá medir esta tensão simplesmente ligando um voltímetro nele.

Entre o borne “COM” ou “GND” e o borne “70V” serão ligados os dois fios que seguirão para os “transformadores de linha de 70V” como mostrados no exemplo da fig.3.

Fig.3 - DISTRIBUIÇÃO DE SOM COM LINHA DE 70v

Fig.3 – DISTRIBUIÇÃO DE SOM COM LINHA DE 70v

Reparem que ao lado de cada alto falante está anotada, além da impedância do mesmo, a potência que será fornecida por cada alto falante permitindo ao projetista adequar estas potências de acordo com a região a ser sonorizada.

Este é, sem dúvida, uma diferencial na qualidade da sonorização oferecida se comparada com o que foi apresentado na fig.1.

Há que se considerar que a instalação ficará bem mais cara do que simplesmente sair ligando alto falantes em série e paralelo como no exemplo da fig.1.

Esta é maior dificuldade que vejo para convencer o cliente de que o preço é mais alto que a de um concorrente, às vezes, até por falta de conhecimento técnico, faz “uma porcaria” qualquer e cobra mais barato.

O cliente só irá perceber isso quando for tarde de mais e o sistema não estiver funcionando corretamente e quem fez o “serviço porco” já trocou o número do celular.

Por enquanto é só. Vou ficando por aqui, o objetivo deste post foi apresentar um assunto que ainda é pouco conhecido aqui no Brasil e pode ser uma oportunidade para quem pretende trabalha com sistemas de sonorização de forma profissional e honesta.

Obs. Clique na imagem da fig.3 para ler o artigo de David A.Lima publicado na Revista Antenna em Dez/1981

Recadinhos-mindoar-com-pagseguro

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

23 Comentários

  1. JOSÉ LUIZ BRITTO DOS SANTOS

    Boa noite! Ótimo artigo. Interessante. Já mexi com este circuito quando fiz estágio em 1984. Lembro que uma sala do hospital HFAG, a caixa de som ambiente, não conseguia controle de volume ( ou ficava muito alto, ou muito baixo). pesquisando com outras caixas de som, tinha um trafo, esse não tinha. Descobri que era linha de 70 Volts e precisava do trafo. Saiba que existia porque meu pai montou um kit Amplificador da IBRAPE, e tinha saída 70V.
    Pergunto: Têm algum módulo que converte saída de 8ohms para linha de 70volts?
    Muito obrigado.

    • Olá José Luiz,
      Boa pergunta. Nunca tinha pensado nisso acho que não, mas vou pesquisar mais sobre o assunto se conseguir descobrir alguma coisa vira um artigo.
      Abraços

  2. Robson

    Paulo Brites, primeiramente obrigado pelo artigo ajudou bastante estou começando com sonorização de ambientes.
    Uma dúvida que surgiu, como calculo comprimento máximo de uma linha de distribuição em tensão constante de 70V, ex.: 20 sonofletores com transformador de linha de 15W cada em um amplificador de 300W, qual bitola de cabo devo usar em função da distância? gostaria de aprender como calcular isso.

    • Paulo Brites

      Olá Robson
      A resposta não é tão simples para colocar aqui no comentário.
      Vou preparar um artigo sobre o tema, assim que possível.
      Talvez, quem sabe, um mini e-book porque é um assunto bem procurado.
      Abraços

    • Robson Rodrigo de Souza Oliveira

      Uma dúvida se esse aplificador fosse 2 ohm com potência de 8000 rms. E os falantes com 400 rms 8 ohms cada .daria pra toca nessa mesma ligação ou o módulo não irá conduzir potência suficiente?

      • Paulo Brites

        Caro Robson
        Não entendi muito bem sua dúvida, mas vou tentar responder.
        Você que dizer 8000 watts “rms”, é isso mesmo?
        Em primeiro lugar, será necessário que o amplificador possua a opção para linha de 70V se assim for, em princípio, poderia usar-se a mesma técnica.
        Não custa lembrar que os transformadores teriam que ser adequados para essa potência.
        Considerando a potência que você menciona deve tratar-se de sonorização de ambientes abertos, suponho.
        Eu não experiência neste tipo instalação de grande porte, portanto não sei exatamente como se faz este tipo de trabalho. Espero ter ajudado até aqui e vou ver se consigo mais informação.

  3. SERGIO HENZ

    Caro Paulo,

    Gostei muito das aulas, o meu projeto tenho um amplificador com dois canais que suportam 4 a 16ohm, e quero ligar 8 caixas de 25w em cada canal como seria a associação com trafo ? saida de canal 100w. Obrigado

    • Paulo Brites

      Caro Sergio
      Eu realmente estou assoberbado e sem tempo para poder me dedicar a um projeto, mas no artigo e nos links você vai encntar a respota.

  4. Olá, td bem?…gostei muito do artigo de sonorização pelo sistema 70V.., mas, eu até agora não consegui entender, porque se usa a potencia ( W) das caixas de som somadas em paralelo e não a associação delas em paralelo pela impedancia resultante dos trafos de linha?…Poderia explicar ou onde aprender mais um pouco?…no artigo do David Lima, não está bem detalhado , pelo menos para que eu possa entender essa matematica de associação de caixas pela potencia e não pela impedancia. Grato ..SUCESSO.

    • Paulo Brites

      Caro Peter
      Trabalhar com potencias em W em vez de Impedãmcias torna as contas mais simples porque basta somar.
      O mesmo acontece quando se trabralha com dB.
      Um vasto e detalhado material sobre o assunto se encontra no cap. 11 do livro Sound Systm Engineering – Don & Carolyn Davis (não sei se já existe verão em português o meu é de 83 em inglês).
      Espero ter atendido sua dúvida, se não atendi fique a vontade para pedir mais.
      Forte abraço

  5. como fica a impedância final dessa ligação…. 12 fanlantes de 8 ohms, sendo ligados dois em dois e serie e os 6 pares em paralelo?

    • Paulo Brites

      É só aplicar as regras básicas de circuito serie e paralelo Cada par em série dá 16 ohm Como temos 6 conjuntos de 16 ohm em pararlelo basta dividir 16 por 6 que dará aprox 2,6 ohm. Isso é o minimo que se aprende em qualquer aula de eletricidade ed que todo técnico tem obrigação de saber.

      • Jean Carlos

        arrego pra você hein. Se o cara quisesse lição de moral ele entrava pro quartel, não viria aqui tirar dúvidas.

        • Paulo Brites

          Não sei di que está, mas ainda temos o direito a liberdade de expressão por isso deixei seu comentário no ar.
          Simples assim.

  6. Regivaldo Costa

    Amigo, parabéns pelo artigo. Entretanto, fiquei com algumas dúvidas, as quais não encontrei no texto. Segue minha dúvidas em forma de questionamento, se me permitir:

    1- Se há vários transformadores de linha, como fica a impedância conforme o número de transformadores existentes?
    2- Como no exemplo do alto-falante, numa linha já definida com N transformadores, um deles abrir, qual será o comportamento do amplificador?
    3- Por exatamente os 70,7 volts (ou 70)? Ao máximo de potência do amplificador, teremos 70,7 volts na saída do mesmo?
    4- Qual a relação da potência do amplificador, dos próprios 70 volts e a impedância do conjunto?

    Obrigado.

    • Paulo Brites

      Que legal, adoro dúvidas

      “guenta aí” que vai virar outro artigo.

  7. edvan

    muito obrigado pela aula de matematica em eltronica .

    • Paulo Brites

      Olá Edvan que bom que gostou, quando a gente descobre pra que serve a matemática fica mais fácil entendê-la.

  8. Tobias Vicente Flores

    Muito obrigado Paulo Brites, continue com seu trabalho! Está indo muito bem, não desanime!

  9. wladimir barros

    Boa noite, gostei muito do seu artigo, mas tenho algumas dúvidas.???
    Preciso de uns 30 pontos a serem sonorizados, qual seria um amplificador adequado e o que eu teria que usar para que todas estas caixas produzissem uma distribuição sonora satisfatória.

    • Paulo Brites

      Caro Wladimir
      No final do artigo há uma nota dizendo para clicar na fig.3 onde há mais detalhes Você clicou?
      No outro artigo são mostrados alguns cálculos.

  10. Armindo Sobreira

    Sempre aprendendo com suas informações. Mais uma vez obrigado.

    • Paulo Brites

      Que bom, Armindo

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