Coisas que precisamos saber sobre dissipação de potência em transistores
00No meu último post técnico de 2017 “Aprendam a ler data sheets, pelo amor de Deus” eu tratei de alguns pontos importantes a serem observados quando se procura um mosfet para substituir uma “figurinha difícil”.
Entretanto, naquele momento esqueci de mencionar coisas que precisamos saber sobre dissipação de potência em transistores, até porque o meu objetivo principal naquele momento era dar um “puxão de orelha” naquela turminha trocadora de peças, que fica dizendo por aí que é técnico e pedindo na Internet que alguém diga qual o transistor usar para ele ganhar o dinheirinho dele sem fazer força (se puder até ache quem compre e mande pelo correio).
O artigo rendeu bons frutos e vários leitores colocaram comentários, mas um em particular me chamou a atenção e por isso, o reproduzo abaixo.
Dizia o leitor:
“Professor tenho uma dúvida que já pesquisei, perguntei, e nunca foi esclarecida.
O Power Dissipation, no datasheet, eu tenho a impressão que é a máxima energia que o mosfet consegue transformar, “queimar”, em calor, e nos fórum e etc, diz que é a (tensão x corrente) que passa pelo mosfet.
No caso Power Dissipation seria a “potência” do mosfet , o que eu acho contraditório ao próprio datasheet que mostra condições de teste que extrapolam em muito essa (tensão x corrente).”
Adoro quando alguém posta suas dúvidas ou conclusões e elas podem ensejar um novo post como foi o caso.
A dúvida do José, que pode ser a de muitos, não só me fez perceber que eu havia esquecido de mencionar um importante parâmetro (a dissipação de potência) naquele infográfico de cinco tópicos a serem observados na escolha de um mosfet e mais do que isso, que era preciso esclarecer questões que precisamos saber sobre a dissipação de potência em semicondutores, em particular, nos mosfets ou bipolares.
Nas aulinhas básicas de Eletricidade, como eu mostro numa delas lá no Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites, aprende-se que a potência pode ser calculada multiplicando a tensão sobre o dispositivo pela corrente que passa por ele.
É a conhecida fórmula (pelo menos deveria ser) P = V x I.
No caso dos transistores, se for um bipolar ela “vira” PD = VCE x IC (os livros didáticos, às vezes, colocam PC referindo-se a potência dissipada no coletor).
Em se tratando de um mosfet temos PD = VDSS x ID.
No fundo é a mesma coisa, as letrinhas só mudam para ajudar a mostrar se estamos falando do Manoel ou do Joaquim, ou melhor, bipolares ou mosfets.
Até aí tudo bem, mas temos que lembrar que assim, como “onde há fumaça há fogo”, onde há potência elétrica há energia térmica ou calor.
E aqui é importante que não se confunda energia térmica ou calor com temperatura, embora o senso comum confunda as duas coisas e se você ainda confunde alhos com bugalhos sugiro que CLIQUE AQUI e tire suas dúvidas (para sempre).
O data sheet é o mapa da mina
Todo mundo sabe que dependendo da corrente que passa num resistor, diodo ou transistor ele “esquenta” e a “temperatura” será muito importante para entender a especificação power dissipation (dissipação de potência) que aparece nos data sheets.
Vamos dar uma olhada no recorte de um data sheet, neste caso de um transistor bipolar, mas para o que eu quero mostrar tanto faz. Veja os destaques em vermelho e azul.
Nele temos VCEO = 260V e IC = 15A e se multiplicarmos os dois teremos 3900W.
Uau! É muita potência! Entretanto, mais adiante no destaque em vermelho no data sheet temos PD = 180W apenas.
Muita calma, nesta hora
É só isso mesmo que está escrito, eu não esqueci de mencionar mais nada?
E aquele “@ TC = 25ºC” serve pra quê?
Em primeiro lugar vale informar que aquela “arroba” (@) que aparece ali não tem nada a ver com endereço de e-mail, e já existia muitos e muitos anos antes da Internet nascer.
Ele quer dizer, neste caso, que a dissipação potência será de 180W “a” 25ºC de Temperatura do Case (invólucro).
Mas na prática, nem sempre (ou raramente) TC, ou seja, a temperatura do invólucro será 25ºC, o que nos leva a pensar que devemos ter outras preocupações simplesmente além da PD na hora de escolher um transistor quer seja para um projeto ou uma substituição.
Aliás todos os parâmetros costumam ser especificados para 25ºC que é um padrão de laboratório.
Então, a power dissipation não é exatamente a multiplicação da tensão coletor-emissor pela corrente máxima de coletor que o transistor suporta?
Para determinar a power dissipation três parâmetros devem ser considerados:
- Temperatura ambiente (TA),
- Temperatura da junção (TC)
- Resistência térmica (A ou C)
E será sobre eles descreverei a seguir, mas isso não é tudo, precisamos falar também de um parâmetro pouco “badalado” quando se fala de dissipação de potência que é o derating factor.
Então, como dizem os apresentadores de telejornais:
“Tudo isso e muito mais a partir de agora. Não saia daí”.
Vou começar pelo fim, falando do derating factor, porque eu aposto que você está curioso e é, bem provável, que nunca tenha ouvido falar dele.
Realmente não é um termo muito badalado como eu disse, mas nos dias atuais passou a ter muita importância e você já irá entender porque.
Este termo não se aplica apenas a semicondutores, mas sim a todas as situações em que temos temperatura ambiente envolvida e creio que a melhor tradução, no nosso caso, seria fator de redução.
Mas, redução de quê?
Redução da potência dissipada em função da temperatura ambiente, e quando se diz “temperatura ambiente” estamos nos referindo ao “ambiente” onde componente está inserido, ou seja, dentro da “caixa de encrencas” chamada aparelho eletrônico.
Com a miniaturização cada vez maior dos equipamentos eletrônicos temos componentes dissipando potência (calor) cada vez mais próximos uns dos outros e sem ventilação alguma, muitas vezes.
Percebeu porque o derating factor passou a ser importante nos dias de hoje?
Em outras palavras, o power dissipation @ 25ºC que aparece nos data sheets é quase um “Fake News”, para usar uma expressão da moda.
Então, como saber o power dissipation “de verdade”?
Olhando a data sheet com mais cuidado você encontrará um gráfico similar ao mostrado abaixo.
Vamos entender como ele “funciona”.
Para temperatura do invólucro (TC) entre 0 e 25ºC temos PD aproximadamente igual a 135W (neste caso), entretanto se TC for, por exemplo, 75ºC a dissipação de potência será reduzida (derrated) para 90W.
Espero que você esteja pronto para reclamar que não adiantou muito este gráfico uma vez que ele está referenciado a temperatura do invólucro e não a temperatura ambiente que podemos medir facilmente.
Não se desespere, porque agora entrará em cena a resistência térmica que eu mencionei lá atrás e que para nossa alegria aparece nos data sheets, como neste exemplo para o 2N3904.
Temos dois “tipos” de resistência térmica:
RJC – Resistência térmica da junção para o invólucro (case)
RJA – Resistência térmica da junção para o ambiente.
Repare que a unidade de resistência térmica é ºC/W relacionando assim, a temperatura com a potência.
Com estes dados podemos calcular a potência dissipada “de verdade” usando a fórmula
Não irei me aprofundar nestas contas no momento porque o objetivo deste post não é este e sim chamar a sua atenção, parafraseando Shakespeare “que há mais coisas nos data sheets do que você não vê entre o céu e a terra”.
Antes de encerrar este papo “acalorado”, vale falar que se não quisermos queimar o transistor, precisamos mencionar ainda um outro gráfico conhecido como SOA = Safe Operation Area ou Área de Operação Segura.
Na figura abaixo temos um exemplo deste gráfico para o transistor MJL0281 da On Semi escolhido aleatoriamente para mostrar como exemplo.
Observe a linha vermelha e em particular o ponto azul. Nele temos IC = 10A e VCE = 100V o que dá uma potência de 1000W.
Novamente, muita calma nesta hora, porque isto é só por 1ms, assim para operarmos o transistor com segurança não podemos “torturá-lo” por muito tempo (na verdade 1ms é menos que um piscar de olhos!).
Meros detalhes (que não são os de Roberto Carlos) apenas 10 mili segundos de “tortura” e passando deste tempo mandamos o pobrezinho do transistor para os quintos dos infernos.
E já que falamos de inferno, lembre-se que o chefe de lá mora nos detalhes, como diz o dito popular.
Quer encontrar um substituto?
Olhe tudo no data sheet, mas não esqueça de dar também uma espiadinha nas curvas de derating factor e SOA.
Alguém aí sabe qual o substituto deste transistor?
Percebeu que escolher um substituto de um transistor ou diodo não é uma tarefa simples como se pode ver, e que demanda tempo, por isso, fico “brabo” quando me pedem para fazer isso.
Se me pedirem para explicar o significado dos termos “exóticos” que aparecem nos data sheets terei o máximo prazer em fazê-lo como estou fazendo agora, mas não me peçam para “fazer o trabalho sujo”.
Tem muita gente que ainda vive no passado, então não custa lembrar que foi-se o tempo das tabelinhas e livrinhos de substituição e equivalências e que não exigiam do reparador mais do que comparar tensões e correntes, hoje, como dizem por aí “o buraco é mais embaixo”, ou a gente estuda ou a gente estuda. Não tem mais mágica.
Fico abismado com as promessas do tipo “aprenda eletrônica em meia de dúzia de meses” que vejo por aí. Parece promessa de candidato e como ele não vai cumprir mesmo, pode prometer qualquer coisa.
Meu curso técnico foi de quatro anos (1964-1968) e bem puxado, e me deu base para continuar aprendendo sempre e esta é a propostas das aulas do meu Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites. Aprender sempre.
Não canso de repetir que o mundo de hoje não tem mais espaço para amadores e preguiçosos. Não basta ser trocador de peças, tem que estudar (e muito).
Feliz 2018, apesar dos nossos (des)governantes!
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