Sherlock Holmes e o conserto de aparelhos eletrônicos
Se esta é a primeira vez que você lê um artigo meu, deve ter levado um susto com o que Sherlock Holmes e conserto de aparelhos eletrônicos têm em comum, quer seja porque estava à procura de histórias do detective mais famoso do mundo ou querendo saber como reparar aparelhos eletrônicos e se deparou com algo inesperado e aparentemente sem conexão.
Onde está a relação, entre as duas coisas, é o que talvez você queira perguntar?
Entretanto, se você já é meu leitor, recentemente ou dos idos de 78 lá da “mamãe” Antenna, talvez não se assuste mais com “meus métodos” pouco ortodoxos ou tracionais te tentar fazer as pessoas a aprenderem alguma coisa que gostariam de saber.
Pois bem, se não conhece Sherlock Holmes, meu caro Watson, sugiro que inclua suas histórias entre os seus livros de eletricidade e eletrônica, caso deseje se tornar um bom reparador de “coisas ligáveis na tomada” e que “de repente” pararam de funcionar.
A literatura como a arte são fundamentais para o desenvolvimento do cérebro em qualquer atividade humana infelizmente pouco valorizadas no nosso sistema de ensino (se é que podemos chamar de “ensino” o que temos por aí).
Voltando ao aparelho que parou de funcionar, digo “de repente” porque é assim que as pessoas falam quando o televisor, a máquina de lavar roupas, ou a geladeira, por exemplo, um dia resolvem fazer grave e dizer: – “não trabalho mais”.
Nada é tão de repente, porque sempre existe um “antes” e é deste jeito que sempre gosto de lembrar: – os aparelhos também, assim como nós, antes morrer, estão vivos.
E o que Sherlock Holmes tem a ver com tudo isto?
Eu diria que “tudo a ver”, porque o reparador é antes de mais nada um investigador e como tal precisa saber analisar o “antes” mesmo que não o tenha visto ou presenciado.
É claro que o bom investigador seja de um “crime convencional” ou de um aparelho estragado, precisa de uma boa dose de conhecimento científico, embora isto só não baste.
É preciso também e principalmente, como diz Holmes, olhar e observar, pois, é na observação que, em geral, as pessoas falham.
Em geral, às pessoas vêm, mas não observam. Ouvem, mas não escutam e é aí que começa o problema.
Portanto, meu caro pretendente a “consertador”, comece agora a treinar seu olhar antes de sair à cata do esquema, pois talvez nem vá precisar dele.
A casa onde você mora tem escada? Você saberia me dizer quantos degraus ela tem? Eu apostaria dizer que não.
Quantas vezes já a subiu olhando, mas sem observar.
Vamos a um exercício mais fácil. Feche os olhos e “veja” em sua mente tudo que existe na sala de sua casa nos seus devidos lugares.
Se conseguiu é sinal que está num bom caminho para ser reparador, caso contrário coloque esta prática entre seus estudos de eletricidade e eletrônica.
Aliás é isso que eu procuro fazer, embora de forma subliminar, nas minhas aulas do Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites, ajudá-lo a treinar seu olhar.
Esta dica de Holmes, olhar e observar, não vale apenas para o técnico reparador, vale para tudo na vida. Pense nisto.
Mas, observar pura e simplesmente não basta, é preciso dar atenção aos detalhes pois, sabiamente, como diz o dito popular “é nele que mora o coisa ruim”.
Toda reparação/investigação deve começar por uma observação minuciosa. Uma ponta de cigarro na cena do crime deixa de ser uma mera ponta de cigarro se tiver marcas de batom!
Parece sem sentido o que eu vou dizer agora, mas a principal regra é ter certeza que a “coisa” está realmente com defeito.
Tentar “consertar” o que está funcionando certamente poderá ser desastroso.
Vejamos algumas regras investigativas básicas usadas por Holmes e adaptadas por mim à arte da reparação que você deve colocar na parede de sua oficina e procurar seguir sempre:
- Procure antes as alternativas mais prováveis e veja se podem ser eliminadas.
- Depois de eliminar o impossível aquilo que sobra é a verdade. Quando todos os suspeitos tiverem sido eliminados há um que permanece, não importa quão improvável ele seja.
- Nada é tão importante quanto os detalhes. Nunca confie em generalizações, concentre-se nos pormenores.
- Nunca tente adivinhar o “defeito”, use o raciocínio e os conceitos teóricos para não cometer erros que podem ser fatais.
As regras de Holmes não fazem milagres
É bom que fique bem claro que estas quatro regras básicas de Holmes só funcionarão se você possuir conhecimento teórico sólido e a partir daí talvez precise aprofundar sua investigação com o auxílio de algumas medições que numa investigação criminal é chamada de perícia.
Mas, medir o quê, eis a questão?
Existem dois tipos de medições: estáticas e dinâmicas.
Medições estáticas são aquelas que fazemos com o aparelho desligado e podem ser realizadas nos componentes passivos (resistores, capacitores e bobinas) ou ativos, isto é, semicondutores (diodos, transistores e afins).
É um procedimento que precisa ser feito quando não podemos ligar o equipamento para medir tensões.
Aqui alguns podem questionar que não adianta medir tensões no circuito se não temos o esquema e, às vezes, ele não indica os valores das mesmas.
Óbvio que se tiver tudo “mastigadinho” pode ficar mais fácil, embora nem sempre, caso o “técnico” não saiba interpretar o que está vendo no painel do multímetro por falta de conhecimento teórico.
Eis aí a regra de Holmes que eu enumerei aqui como a de número quatro, “use o raciocínio e os conceitos teóricos”.
Se sabemos como o circuito funciona podemos chegar a algumas conclusões caso as medições se mostrem fora do esperado.
Por isso, eu sempre defendi que o reparador precisa sim ter noções mínimas de projeto dos circuitos.
Multímetros não são todos iguais
Este é um ponto para o qual muita gente não dá atenção.
Jamais teremos uma medida correta do valor de um resistor de 0,1ohm, por exemplo, usando um multímetro cuja resolução seja insuficiente para medir valores tão baixos.
O mesmo ocorrerá na acurácia da medida de uma tensão baixa cuja tolerância permitida fica abaixo de 5%.
Uma medição com resultado equivocado por conta de um instrumento inadequado pode levar o técnico a “passar batido” pelo defeito e ir procurar no lugar errado e quanto mais mexer no equipamento maior a chance de colocar defeito onde não existia.
Existem dois tipos de falhas: a “natural” e a provocada.
A “falha natural”, em geral, tem sua lógica própria, enquanto a provocada é igual a um tsunami!
Por isso, não se afaste das regras número um e quatro de Holmes: – procure antes as alternativas mais prováveis e veja se podem ser eliminadas e nunca tenta adivinhar o defeito.
Vou contar um segredinho, a maioria dos defeitos ou falhas são simples e fáceis de serem solucionados, o técnico despreparado é que complica as coisas e coloca complicação onde não há por falta de conhecimento teórico, insisto em dizer.
Cuidado com os componentes fakes
A palavra fake está na moda agora, mas ela já é conhecida dos técnicos há muitos e muitos anos.
Eu diria que, no caso dos componentes eletrônicos, ganhou notoriedade depois que os chineses monopolizaram este mercado.
Pode-se dividi-los basicamente em duas categorias:
- Os que não passaram no controle de qualidade e cujas especificações fugiram dos parâmetros. Não são exatamente falsificados e sim, estão fora das especificações. Dependo da aplicação podem até funcionar.
- Os fabricados fora dos parâmetros deliberadamente, ou seja, falsificados mesmo, ou seja, gato por lebre.
Distinguir o joio do trigo não é tarefa fácil, até mesmo para um técnico experiente.
Hoje, comprar qualquer componente, aqui no Brasil é jogar na loteria e você pode ser “premiado”, mas neste caso o prêmio pode não ser ganhar sozinho na mega sena.
Por isso, a troca de um componente só deve ser feita depois de esgotadas todas as possibilidades para evitar que um reparo simples se transforme numa enorme dor de cabeça.
Combine as regras número um e dois de Mr. Holmes com um bom conhecimento teórico de como os componentes e os circuitos eletrônicos funcionam para poder ser chamado de técnico.
Reparar não é sair procurando nos fóruns o que fazer e sair trocando peça até ver se funciona, isto seria como ir tomando um remédio atrás do outro para curar-se de uma doença que você nem sabe qual é.
Depois que nada mais der certo não adiantará pedir socorro nos comentários com perguntas sem pé nem cabeça.
Gosto dos comentários e sempre respondo todos eles desde que sejam para esclarecer dúvidas e não para indicar “simpatias e adivinhações” de curandeiros. Essa não é minha especialidade!
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