Como aprendi eletrônica e ainda continuo aprendendo
Dia destes assisti no Netflix o filme O menino que descobriu o vento e que recomendo muito a todo mundo.
Sem querer dar spoiler, o filme tem basicamente dois aspectos a serem observados, a meu ver.
Um deles é o lado social e humano de famílias pobres na África, mas poderia ser aqui no Brasil também, porque não?
Entretanto, o que me levou a uma “identificação” com William, o menino protagonista do filme, foi o fato de que ele, desde criança, descobriu algo que o fascinou, que era saber como a eletricidade funcionava e mesmo com as diversidades que o ambiente e a vida lhe empunham não desistiu na sua busca pelo conhecimento.
Eu não passei, nem de longe, pelas dificuldades do William, mas de certo modo segui uma trajetória parecida.
A medida que eu ia assistindo o filme, um outro filme ia passando na minha cabeça lembrando de coisas da minha infância e logo comecei a pensar em escrever algo para responder uma pergunta recorrente que volta e meia vejo aparecer nos grupos do facebook sobre eletricidade e eletrônica dos quais participo e é, mais ou menos assim – “onde encontrar um bom curso de eletrônica? ”
A melhor resposta talvez seja, “todos são bons e todos são ruins, depende dos seus objetivos”.
O William, o garoto do filme, vivia num ambiente de extrema pobreza e conseguiu com seu empenho construir algo importante para sua família e sua comunidade, porque muito além de uma “boa escola” ele tinha uma meta a alcançar.
Sempre digo que ninguém ensina nada a ninguém, a gente é que aprende se quiser aprender.
Desde a minha infância, não sei porque (talvez nem Freud explique rsrsrs), a eletricidade sempre me atraiu.
Minhas brincadeiras de criança aos seis ou sete anos eram, principalmente, a “construção de instalações elétricas” com lâmpadas queimadas amarradas com barbantes que, certamente, na minha imaginação acendiam.
Na imaginação de uma criança tudo pode acontecer, basta que os adultos não “se metam” na hora errada. Se não puderem ajudar, pelo menos não atrapalhem, por favor.
Eu tinha um ambiente propício ao meu redor que pode ter contribuído para eu prosseguir nas minhas “experiências e pesquisas” desmontando lanternas para ver como funcionavam, destruindo pilhas para descobrir o que tinha lá dentro e por aí afora.
Morava nos fundos da loja de ferragens e etc. do meu avô paterno onde estes materiais estavam disponíveis para mim.
Com 12 anos já “consertava” ferros elétricos de passar roupa “assessorado” por um tio que tinha alguns conhecimentos práticos de eletricidade e daí para outros eletrodomésticos foi um pulo.
Pouco a pouco fui me “profissionalizando” em eletricidade autodidaticamente através de livros que encontrava em bibliotecas (elas ainda existiam aqui no Rio de Janeiro).
Com auxílio destes livros construí eletroímãs com sucatas, pequenos motores, campainhas e sei lá mais o que.
Se não funcionava de primeira, eu não desistia e uma hora acabava dando certo.
Lá pelos 14 a eletricidade já não me bastava, queria descobrir como o rádio funcionava.
Aí era mais difícil, mas eu não desisti.
Próximo a minha casa tinha uma oficina de conserto de rádios. Comecei a ir lá pedir peças usadas. Cheguei a pedir para ficar lá ajudando de graça, mas o dono, um alemão, era de pouco conversa.
Existia a Revista Antenna que eu esperava ansiosamente chegar na banca para comprar com o dinheiro que ganhava com os consertos de eletrodomésticos e outras atividades como, por exemplo, “fabricar” e vender botões com restos de plástico para a garotada jogar. Eu, particularmente, não me interessava pelo jogo.
Tinha também o dinheirinho que ganhava com apostilas que eu fazia numa máquina de escrever emprestada com os resumos das aulas de biologia e português que eu vendia para os colegas estudarem para as provas.
Com quinze ganhei uma máquina de escrever de presente do meu pai no Natal.
Era o computador da época. Oliveti Letera 22, como ganhei dinheiro com ela!
Ainda a guardo por aqui, quem sabe um dia precise dela.
Voltando à eletrônica, as leituras da revista não eram suficientes e eu “voava” ao ler os artigos que descreviam coisas estranhas com termos estranhos, mas ia em frente assim mesmo.
Percebi logo que precisaria estudar de forma mais sistemática e organizada.
Ainda estava no Científico, hoje chamado de ensino médio, e vivia pesquisando cursos de “rádio e televisão”, pois era assim que se chamava eletrônica naquela época.
Dois cursos, em particular, me interessaram: Occidental School e Instituto Monitor, ambos à distância, ou seja, por correspondência.
Isso mesmo, pelo correio.
Minha primeira opção era o Occidental School, mas a grana não dava e tive que me contentar com o segundo.
Em 1962 eu terminava o curso por correspondência de Rádio e Televisão do Instituto Monitore depois de 10 meses de autodidatismo puro.
Neste momento eu já havia me decido que queria fazer Engenharia Eletrônica e só tinham três opções no Brasil: PUC (fora meu alcance financeiro), ITA, em São José dos Campos e IME no Rio de Janeiro.
Sendo assim, eu só tinha uma opção: IME.
Não passei no vestibular que era dificílimo. Nada de múltipla escolha.
Todas as questões eram dissertativas. Matemática e Física, se não me engano, eram as primeiras e eliminatórias e eu já “morri” ali.
Pela primeira vez na minha vida me senti frustrado ao olhar para uma questão e não saber com começar, passar para outra e idem.
E agora, o que fazer da minha vida naquele ano? Estudar para o próximo vestibular?
De repente um amigo me fala de um curso técnico de eletrônica que ficava na Tijuca. Fui ver como era, quanto custava e etc.
Um pouco “salgado” para os recursos do meu pai. Ele foi conversar com o diretor, o inesquecível professor Trindade.
Um autodidata que como o menino que descobriu o vento também não tinha tido oportunidade de ter uma educação “formal”.
Concedeu uma bolsa de 50% porque ele queria que todas as pessoas que tivessem vontade de estudar não abandonassem o sonho por questões financeiras.
Ingressei no curso em março de 64 e em 68 me formava com mais sete colegas dos 50 ou 60 que tinham começado junto comigo.
O primeiro ano para mim foi bem tranquilo. Como eu já tinha o “cientifico” fiquei isento de várias disciplinas.
Só assistia as aulas de eletrotécnica, eletrônica básica e matemática que pelos critérios do curso era obrigatória mesmo para quem vinha do “ensino médio”.
As aulas de matemática eram muito básicas para mim que tinha me preparado para um vestibular e logo me destaquei.
Eletrotécnica e eletrônica não eram difíceis de acompanhar graças a muita coisa que tinha aprendido no curso do Instituto Monitor.
Também me destaquei nelas e comecei a ser “monitor” de matemática.
Veio o segundo ano.
As coisas mudaram da água para o vinho.
As aulas de matemática e eletrônica eram puxadíssimas com matemática de nível universitário.
O livro texto de Eletrônica era o Corcaran e Price adotado no IME (se não me engano) com aulas de um excelente engenheiro professor.
A melhor coisa que aconteceu na minha vida. Desisti da engenharia.
Logo me identifiquei com o professor de matemática e seu estilo de aula, Paulo Baptista de Oliveira, o PBO.
Passei para o terceiro ano e comecei a “dar aula” de matemática e eletrônica no próprio curso.
No segundo ano já, ajudava no laboratório, sob a orientação do prof. Messias e daí em diante minha bolsa passou a ser integral.
Terminei o curso em 68, como já disse, e já tinha minha primeira carteira de trabalho assinada pela própria escola como auxiliar de ensino.
Auxiliar de ensino só para constar, porque na verdade eu era mesmo “professor” de matemática e eletrônica.
Tudo errado para os padrões de hoje, mas era uma época mais generosa em que o conhecimento, o empenho e a dedicação superavam os diplomas e os certificados.
E assim fiquei até 1975, dando aula em vários lugares e tentando fazer bacharelado em matemática na UFRJ, aos trancos e barrancos.
A eletrônica tinha ficado um pouco de lado. Minha paixão passara a ser a matemática, graças ao PBO.
Em 76 resolvi sair daquela vida sofrida de professor-operário no Brasil e buscar um emprego como técnico de eletrônica.
A primeira oportunidade veio com um concurso para a Petrobras. Fui barrado no psicotécnico.
Logo em seguida veio o da Embratel e já tinha aprendido como não ser barrado no psicotécnico.
Em junho de 76 eu ingressei na Embratel. O pior emprego da minha vida.
Um trabalho enfadonho, sem nenhuma criatividade, mas o salário era razoável e em dia, bem diferente do que acontecia com as escolas.
Eu estava alguns anos afastado da Eletrônica e embora tivesse passado nos concursos percebi que precisava me reciclar.
A conclusão do bacharelado na UFRJ teve que ser abortada, no sexto período.
Novamente o autodidatismo entra em cena e em 77 ou 78, começo um Curso de Eletrônica por correspondência nos Estado Unidos – CREI.
Além de ser um material mais atualizado me obrigava a estudar inglês.
Neste momento começo a perceber claramente a interação da eletrônica com a matemática.
A monotonia do trabalho era quebrada com o estudo e logo em seguida comecei a escrever artigos técnicos para a Revista Antenna, aquela que eu lia quando era criança.
Meu primeiro artigo ocorreu em maio de 79 “Calculando Circuitos Integradores e Diferenciadores”.
Neste momento eu comecei definitivamente a aprender eletrônica e me manter atualizado.
Em outubro de 92 sai da Embratel por “livre e espontânea pressão”. Pedi para ser demitido.
Minha filosofia de vida sempre foi “se o padrão não me agradar, eu demito o patrão”.
No início de 93 montei uma empresa de manutenção de equipamentos eletrônicos de consumo e aí era mesmo aprender ou aprender.
A empresa durou 14 anos e aí mais uma vez eu dispensei o patrão que era eu mesmo.
Hora de começar de novo.
Comecei a perceber as deficiências dos técnicos reparadores e me dediquei a promover treinamentos para eles.
Vou dar um salto nesta autobiografia que já está ficando muito longa.
Em 2005, com 60 anos, duas coisas acontecem simultaneamente na minha vida profissional.
Descobri o CEDERJ, um consórcio de Universidades púbicas com licenciatura semi presencial. Aí já não era mais por correspondência e sim pela Internet.
Comecei a faculdade de matemática que tinha ficado para trás e prestei outro concurso público como técnico em eletrônica para uma Fundação do Estado do Rio de Janeiro. Passei em primeiro lugar. Aliás, era passar ou passar, porque só tinha uma vaga (e para que eu precisaria de duas rsrsrs).
Em maio de 2006 tomei posse como Técnico em Eletrônica da Fundação CECIERJ.
O salário não era tão bom assim, mas acho que foi o melhor emprego da minha vida.
É o velho ditado – ganha-se pouco mais é divertido.
Fiz muita coisa na instituição, aprendi muito. Fiz bons amigos.
Em 2015, fui aposentado compulsoriamente por idade, aos 70 anos.
Parar, jamais. Agora é hora de passar toda a experiência acumulada, nestes mais de 50 anos de estudo, para quem está começando ou quer reciclar seus conhecimentos.
Agora é dedicação exclusiva ao meu projeto Aprenda Eletrônica com Paulo Brites.
E foi assim que aprendi e continuo aprendendo eletrônica.
Respondi à pergunta “onde encontrar um bom curso de eletrônica? ”.
Acho que o “bom curso” está dentro de você, como estava dentro do William, o menino que descobriu o vento!
Até 2045 (pelo menos), quando completarei um século de existência.
Até lá pretendo continuar na área, pesquisando, aprendendo, escrevendo, dando aula e venha o que vier.
Ia esquecendo de dizer, em 2009 assumi como professor do Estado após passar no concurso em 2008.
Até sempre.
AGUARDO SEU COMENTÁRIO
12 Comentários