Vale a pena reparar o osciloscópio Goldstar OS9020P
Talvez alguém possa questionar: – vale a pena reparar um osciloscópio analógico Goldstar 0S9020P?
Pois eu diria que dependendo do que se pretende analisar, um osciloscópio destes pode quebrar muitos galhos inclusive quando o Apocalipse Zumbi chegar rsrsrs.
Brincadeiras à parte, para mim, ele veio em boa hora. Provavelmente ele será usado em algumas aulas do novo curso on line, que estou projetando para breve: Descomplicando o uso do osciloscópio.
A história começou quando um técnico amigo, que resolveu pendurar as chuteiras, ou melhor, as ponteiras, na flor da idade, aos 80 anos e fez a doação de um monte de equipamentos e peças antigas, incluindo um testador de válvulas (isso mesmo), pare este acumulador compulsivo que vos escreve no momento.
No “pacote” veio o osciloscópio Goldstar OS9020P, com um “pequeno defeito”.
O “pequeno defeito”, segundo ele, era o potenciômetro de ajuste de posição vertical do canal 1 que ele mesmo havia “incendiado” tentando limpar com WD40.
Que fique a lição para novatos e veteranos: – nunca use WD40 ou similares em equipamentos elétricos. Ele é inflamável e embora o fabricante diga que pode ser usado, já vi situações que desmentem isso.
Se quer tentar a limpeza de contatos e potenciômetros use o limpa contatos LC-150 que é o recomendado para esta atividade.
Arregaçando as mangas
Colocado o bichinho na bancada constatei que realmente o potenciômetro estava totalmente carbonizado.
Até aí, tudo bem. O problema era conseguir um substituto à altura o que não foi tão difícil assim. Quem procura acha e perdido numa loja aqui no Rio, achei um que poderia resolver o problema, mas…
Sempre tem um “mas” nessa vida. O eixo era curto, além de não ser estriado para poder encaixar o knob original.
Ainda bem que no meu tempo de primário/ginásio existia nas escolas uma matéria chamada Trabalhos Manuais que me ajudou muito a desenvolver habilidade e criatividade. Hoje chamam de “Artes” que, em geral, fica só na teoria.
Cortei o eixo do potenciômetro ruim e fiz um “implante ortopédico” no potenciômetro novo e tudo estava resolvido. Será?
Saudosismos à parte dos meus tempos de primário e ginásio e das professoras de trabalhos manuais, o Goldstar OS9020P voltou ao mundo dos vivos e se livrou de ir parar em algum rio por aí para ajudar nas mega enchentes em dias de temporais diluvianos.
Muita calma nessa hora. Se você é técnico reparador não solte foguetes antes da hora e saia por aí ligando para o cliente e dizendo que está pronto o serviço para receber logo a tão esperada grana para a feira de sábado. Esta é uma lição que aprendi ao longo dos meus mais de 50 anos de bancada e que deixo como legado aos meus leitores.
Pois é, enquanto eu tomava um café para comemorar minha obra de arte na recuperação do potenciômetro, notei que o traço na tela parecia estar um pouco borrado. Ah! Isso é só ajustar o foco, pensei eu.
Esmola de mais o santo desconfia, diz o ditado e com os santos não me meto.
E aqui começa a verdadeira história do reparo do Osciloscópio Goldstar OS9020P
Uma das coisas mais importantes quando se tenta reparar alguma coisa que, supostamente, não está funcionando é fazer uma observação atenta dos sintomas porque deles virão o diagnóstico e somente depois seremos capazes de “receitar o remédio” com precisão.
Seguindo este mantra, observei que o problema não estava relacionado com o ajuste do foco e sim com a intensidade.
O ajuste de foco nos osciloscópios analógicos não funciona do mesmo jeito que nos televisores de tubo, em que este ajuste fica no fly back junto com o ajuste da grade auxiliar.
Nos osciloscópios analógicos (os digitais não têm isso) temos também um ajuste de astigmatismo, aquele defeito de visão que faz a imagem ficar borrada (fora de foco).
Já o ajuste de intensidade nos osciloscópios analógicos, que poderia se comparado ao brilho dos televisores de tubo, tem por finalidade, como o próprio nome indica, levar a intensidade do traço na tela desde totalmente apagado até o mais “brilhante” possível.
Pois bem, o que eu constatei depois de várias observações é que, ao ser ligado, o traço na tela até aparecia “normal” porem, após cerca de um minuto ele ficava muito “forte e grosso”, e ao tentar ajustar a intensidade o comportamento era totalmente não linear além de ser impossível apagá-lo como deveria ocorrer em condições normais.
Como eu sou otimista, pensei, isso é o potenciômetro de intensidade ruidoso como acontecia nos controles de volumes de rádios antigos, por exemplo.
Nunca subestime um defeito ele pode lhe surpreender. E foi o que aconteceu comigo.
Retirado o potenciômetro de intensidade da PCI e analisado com a escala ôhmica de um multímetro ele se comportou como um “cidadão de bem”.
Eu não disse para nunca subestimar um defeito?
A placa de controles no painel frontal se conectava com a placa principal através de alguns cabos e o conector P106 era o responsável por, entre coisas, fazer o “diálogo” entre o potenciômetro de intensidade e o circuito do osciloscópio.
A placa principal, onde estava o P106, é dupla face. No lado de cima, uma verdadeira selva amazônica antes do desmatamento consentido e estimulado pelas nossa “otoridades” ambientais. No lado de baixo um milhão de componentes SMD compunha a vegetação rasteira da selva.
Nestas horas é melhor respirar fundo, tomar um café (de novo) antes de sair “derrubando as árvores” que hoje deixou de ser crime ambiental.
Hora de procurar o esquema
O mais prudente neste momento seria conseguir o Manual de Serviço do Osciloscópio Goldstar OS9020P para ver como o potenciômetro de intensidade atuava no circuito.
Uma busca rápida na Internet e não foi difícil encontrar o manual “completo”. Pelo menos era o que dava a entender considerando que tinha 67 páginas. Porém, mais uma vez a esmola era muita, como descobri adiante e o santo está começando a ficar irritado.
Se você quiser o PDF deste manual é só CLICAR AQUI.
O manual era uma cópia e embora não fosse “assim uma Brastemp” (lembra deste comercial), sem dúvida, era bem melhor que alguns daqueles fornecidos (eu quis dizer vendidos) pela Esbrel que mais pareciam o mapa do deserto do Saara.
Nas páginas 10 a 12 temos uma descrição suscinta (muiiiito suscinta) do funcionamento dos circuitos, mas nenhuma menção especifica sobre os controles de intensidade e foco.
Na página 43 temos um tosco diagrama em blocos que pouco ajuda, mas vamos seguindo a procissão devagar, porque o santo é de barro.
Finalmente, na pág. 64, sob o título de “vertical main amp” encontrei uma referência aos sinais Y+ e Y- cujos fios branco e marrom iam para a placa o CRT no conector P301. Veja a fig.1.
Repare que coloquei uma nota na Fig.1 chamando atenção de que os transistores Q117 e Q118 estão desenhados com a simbologia errada.
UMA CORREÇÃO
Na verdade os transistores Q117 e Q118 estão desenhados como PNP embora o o esquema que eu tenho a qualidade está muito ruim.
Graças ao leitor atento, João Henriques, diretamente de Portuga, está confusão foi esclarecida.
Muito me apraz saber que tenho leitores atentos e a ajudar a revisar meu trabalho.
Muito obrigado, João Henriques.
Como eu descobri?
Na lista de peças que aparece na pág.33 do Manual de Serviço consta que o 2SA2016 é utilizado para o Q117 e Q118 então resolvi baixar o data sheet para ver como era a posição dos pinos e acabei descobrindo que ele é um PNP e não NPN como consta no desenho.
Nunca confiei cegamente em esquemas!
Observando o esquema novamente (fig.1) vi que realmente não fazia sentido ser NPN levando em conta que a polarização dos emissores (ligados juntos) era 140V positivo.
Feita esta observação, voltemos a análise do caminho que eu estava seguindo para tentar encontrar o “culpado” ou “culpados” pelo defeito.
Ops! Parece que estou no caminho certo.
Não entendi direito o que “o ouvido tinha a ver com as orelhas” (se é que me entendem), ou seja, os sinais de luminância (Y+ e Y-) na página do circuito de amplificador vertical, mas o fato é que a análise destes sinais poderia me ajudar a esclarecer o problema do ajuste, ou melhor, do não ajuste da intensidade.
Quando eu tentei tirar o conector P301 da placa do CRT veio tudo junto, ou seja, o macho e a fêmea.
Neste momento “alguma coisa aconteceu no meu coração”, lembrando Caetano! Será que era só isso, uma simples solda que de tão fria já estava gelada?
Muito bom para ser verdade e não teria a menor graça. Esmola demais…
Refiz a solda, cruzei os dedos (não custa nada uma pitada de superstição).
Liguei e …. tchan, tchan, tchan, não resolveu!
Que bom para você que vai aprender muita coisa se continuar a ler este “causo”.
Foi assim que aprendi muito sobre reparação, lendo os TVKX da Revista Antenna e outras historinhas.
Hoje ninguém faz mais isso (aqui no Brasil acho que só eu). O que você encontra na Internet é “troquei o capacitor X, o resistor Y e resolveu. Por quê? Sei lá! Vá perguntar ao bispo.
Acabou o recreio, hora de estudar
Talvez valha a pena dar um break nessa história para falar um pouco para os novatos ou veteranos “esquecidos”, como funciona um CRT.
Dando uma busca nos meus manuais “hdzados” (não se engaveta mais nada) encontrei o Heathkit OP-1 do tempo em que os dinossauros habitavam a Terra (que já não era plana desde aquela época como alguns “pensam”).
Naquele tempo, os fabricantes eram sérios e seus manuais de serviço eram verdadeiros cursos de eletrônica aplicada.
Recortei um pedaço do esquema daquela raridade para ajudar na explicação. Acompanhe na fig.3.
Esquece os símbolos estranhos que aparecem no esquema. São válvulas a gás reguladoras de tensão. O equivalente aos diodos Zener de hoje da época que os animais falavam.
O que me interessa aqui é que você veja que o controle de intensidade atua nos elétrons que partem do cátodo do CRT. Note também que além do controle de foco temos um controle chamado astigmatismo.
Ele funciona como um ajuste de foco “moderado”. Astigmatismo é aquele defeito de visão que nos faz ver as imagens um pouco borradas ou como se estivessem fora de foco.
No caso do Goldstar OS9020P o manual não mostrava esta parte do circuito e fazer medições no soquete do tubo devem ser evitadas sempre que possível, principalmente para os menos experientes.
Se precisar fazê-las tranque crianças e cachorros num quarto escuro!
Voltando ao presente
Uma coisa que já havia me chamado a atenção era uma lâmpada Neon que estava localizada na PCI próximo a área do circuito. Veja a fig.4.
Em nenhuma parte do esquema eu encontrei esta lâmpada e não entendi qual o seu papel no circuito.
Como eu disse, me chamava a atenção que ao ligar o osciloscópio esta lâmpada estava apagada e o traço na tela estava com intensidade normal, por cerca de 1 minuto. Após este tempo a lâmpada acendia com aquela cor laranja avermelhada característica das lâmpadas Neon e simultaneamente o traço na tela fica bastante forte e sem controle.
Tudo indicava que, neste caso, o ouvido tinha alguma a ver com as orelhas, eu só não sabia como (ainda).
A dois passos do paraíso (lembrando a Blitz)
Em princípio não me preocupei com capacitores eletrolíticos por três razões:
- Equipamento para uso profissional costuma ter componentes com melhor qualidade do que os de uso doméstico.
- É um equipamento da década de 90 quando as coisas ainda eram feitas para durar mais.
- A fonte era linear, logo os eletrolíticos não trabalham tão “estressados” como nas chaveadas por conta da alta frequência.
Resolvi dar uma inspecionada nos transistores que aparecem na Fig.3 uma vez que estavam envolvidos com os sinais -Y e +Y, logo entravam na lista de suspeitos.
Aparentemente todos estes transistores gozavam de boa saúde. Teste negativo para corona vírus!
Que tal olhar a fonte?
Esquema da fonte? Não existia. Talvez o projetista da fonte tenha sido demitido e jogou a informações no lixo por vingança!
Entretanto, na página 15 tinha uma lista com os valores de tensão e os pontos de medição. Pelo menos eu já tinha alguma coisa para começar a verificar.
Resolvi começar pelos pontos assinalados, por mim, com a seta vermelha na tabela da fig.4 e medir as tensões nas extremidades de R183. O item “e” da tabela indica que na parte de cima deste resistor devemos ter entre 137V e 142V.
Comecei por ele. Pendurei o voltímetro, liguei o scope e a leitura foi 140V. Em cerca de um minuto a tensão caiu para próximo de 70V ao mesmo tempo que a Neon, até então apagada, acendia e o traço na tela ficava borrado.
Então problema estava por ali, ao que tudo indicava, eu estava a dois passos do paraíso!
Na tabela tinham outros pontos de medição no conector PB101 que parecia ser de onde as tensões chagavam para ser distribuídas.
Seguindo os fios que partiam do conector PB101 cheguei aos componentes que vemos na fig.5
presos na parte traseira do scope.
Três reguladores de tensão e um transistor, todos soquetados.
Retirei cada um de seu soquete, examinei um por um e, aparentemente, “na fotografia estavam felizes, como nos Anos Dourados”!
Recoloquei os soquetes, liguei o scope novamente para começar a fazer outras medições.
Cheguei no paraíso
Cadê o defeito que estava aqui? O gato comeu, cadê o gato…
Isso mesmo, o defeito sumiu. Muito bom para ser verdade. Guardei os foguetes para mais tarde por que, às vezes, alegria de pobre dura pouco.
Deixei o bichinho ligado por mais de uma hora e tudo bem.
Dia seguinte, primeira coisa que fiz ao levantar, depois de fazer xixi e tomar café, foi ligar o osciloscópio que continuava firme e forte.
Não disse que eu estava a dois passos do paraíso?
Então, olha só a carinha dele na figura abaixo.
Simples assim!
The day after ou o dia seguinte
Calma! Continua tudo funcionando, o paraíso existe!
Quando fui colocar a tampa no osciloscópio, para dar o caso como encerado, notei uma “evidência” que havia passado desapercebida a este aprendiz de Sherlock Holmes: – os parafusos estavam enferrujados.
Agora sim, definitivamente, o ouvido tinha a ver com as orelhas.
Reveja as cenas do crime comigo meu caro Watson.
Quando meu amigo, já em fim de carreira “incendiou” o potenciômetro do vertical ele abandonou o “defunto” numa prateleira e a umidade invisível foi fazendo o seu trabalho lentamente.
Os mais “agraciados” com o efeito da umidade, por razões que nem Freud explicaria, foram os conectores dos componentes presos na traseira do osciloscópio e que tinham tudo a ver com a fonte.
Agora sim, simples assim. “Causo” encerrado.
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Não basta ser técnico, tem que participar.
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