Reflexões da “prisão domiciliar” voluntária (ou quase)

Eu sou uma pessoa do passado, mas que fique bem claro que não sou o passado, porque quem vive de passado é museu.

Talvez o mais correto seria dizer “quem vive no passado”, virou museu. Vejam como uma preposição faz toda a diferença.

Essa é magia de escrever. Lapidar as palavras e as frases para que não pairem dúvidas para quem lê.

Quem escreve sabe o que está a escrever ou talvez, pense que sabe. Só nunca irá saber se quem está a ler entendeu o que o autor quis escrever.  

Sou do tempo em que se escrevia com tinta e caneta. Não daquela caneta tinteiro Parker 51, sonho de consumo de muitos, expressão que não se usava na época.

Não tínhamos sido convocados, por aqui, a ser consumistas tresloucados.

Sou um de pouquinho antes da Parker 51, sou do tempo da pena que se molhava no vidrinho com tinta Sardinha.

As carteiras escolares, para os alunos mais velhos, tinham até um buraquinho na mesa para colocar o vidro de tinta.

Acho que no “meu passado” já não se usava mais.

Aos alunos mais velhos foi concedido o privilégio de usar as canetas tinteiro “modernas” no lugar do lápis, talvez porque toda hora tinham que se levantar da carteira para ir a lixeira apontá-lo.

Um dia vieram as “esferográficas” que alguns chamavam de “estereográficas”.

Me adaptei bem as “canetas Bic”, mesmo vazando e manchando o bolso da camisa de tinta que não saia de jeito nenhum. Ainda não tinham inventando o “Vanish” que tira a sujeira que as crianças (só elas?) deixam nas roupas enquanto curtem ou curtiam a infância, fazendo aquela saudável lambança de terra com água no parquinho da praça ou no quintal de casa.

E aí as máquinas de escrever mecânicas finalmente chegaram.

Fazer um curso de datilografia era uma necessidade. Eu fiz.

Também me adaptei bem a elas, mesmo tendo que retroceder o carrinho para corrigir a letra “batida” errada. Ainda não se falava “digitada”.

O sonho de consumo era ter uma IBM elétrica de esfera que chegou depois. Cheguei a “sonhar” com ela, mas acordei antes que o sonho seguisse outro rumo e virasse pesadelo.

Tinha a minha Olivetti Lettera 22, que ganhei de presente do meu pai ao completar a simbólica idade de 15 anos, que me bastava e ainda está guardada aqui (e funciona). Dia desses comprei até um fita nova de duas cores para ela.

Como a usei e como ela me rendeu dinheiro escrevendo apostilas.

Levou tempo para o computador chegar e se “transformar” na máquina de escrever onde ora digito, em vez de bater, este texto.

Também me adaptei bem a ele. Me adaptei tanto que quase não consigo mais escrever a mão uma simples lista de compras num pedacinho de papel. Até escrevo, mas depois quando chego no mercado (ou chegava antes da COVID-19) não consigo ler o que escrevi. Aí o jeito é recorrer a memória que me traz outras lembranças mais importantes do que as da lista de compras.

Voltando ao museu de grandes novidades do Cazuza, lembro que tive coqueluche, sarampo, catapora, caxumba, rubéola e sobrevivi a todas estas “doenças de criança”.

Não sei como, mas sobrevivi sem vacina, porque não existiam.

E agora estou aqui, em “prisão domiciliar” (tão na moda), sem tornozeleira eletrônica, com medo de sair de casa e pegar uma “gripezinha” que pode se complicar e virar “mofo” no pulmão, à espera da vacina milagrosa, seja lá chinesa, inglesa, ou um Sputinik, que nos leve à Lua porque aqui na Terra redonda a coisa tá ficando chata.

Será que é porque agora não vivo de passado, ou melhor, no passado e sim no presente?

No passado não tinha vacina, mas agora tem e a ciência diz que devemos nos vacinar, a menos que queiramos voltar a Idade Média e viver “de” passado.

Afinal como diz a canção de Nelson Mota e Lulu Santos

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
… até a pandemia irá passar.

Mas, não nos esqueçamos que

A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito
e … novas pandemias virão

e … novas pandemias virão, pois

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
.

Então, que venha a vacina, sem partido e sem ideologia, esta e as próximas, para as pandemias do futuro, porque o tempo não para!

E

Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora

 e que estejamos vivos para vive-la em sua plenitude.

Se puder, fique em casa até a vacina chegar.

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

2 Comentários

  1. Ivan de Souza

    Rapaz essa doença é seria. Não é mole em uma semana morreram só aqui em meu quarteirão 3 vizinhas, senhoras humildes e uma em especial ( como eu não tinha dinheiro quando adolescente eu levava tecido pra que ela costurasse as bermudas que eu via nas revistas).

    Um dos mês melhores amigos ficou acampado por dias em frente a uma UPA pq queria saber noticias de seu pai doente que não podia receber visitas.

    https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2020/05/13/homem-dorme-na-calcada-de-upa-para-acompanhar-o-pai-internado-por-covid-19-em-fortaleza-idoso-aguarda-leito-em-uti.ghtml

    Um parente meu morreu ele morava sozinho, teve força pra ir de moto até o hospital mas em menos de uma semana faleceu.

    Desculpa mestre mas deveria ter mais um pouquinho de cuidado no que escreve.

    • Paulo Brites

      Pois é tem muita gente que acha que é só uma gripezinha
      Sé não entendi a sua observação final.
      Se quiser pode me madar para o meu e-amil contato@paulobrites.com.br
      Abraços

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