Amplificadores digitais, ouvidos analógicos.
Amplificadores digitais, ouvidos analógicos.
As campanhas de marketing adoram mencionar que a “coisa” que estão querendo fazer você comprar é “digital”.
E o pior é que eles conseguiram “fazer a cabeça” das pessoas de que “se é digital” significa que é melhor.
Agora, se você for um chato como eu e perguntar “por que digital é melhor?” a resposta do vendedor, ou melhor, do balconista, não tenho a menor dúvida, será: – Ah! Porque é digital, claro! E fica por isso, mesmo.
Explicar o que significa “digital”, em poucas linhas, não é tarefa fácil, mas prometo ser o mais didático possível numa abordagem que fique entre o “popular” e o “científico”.
Pois bem, começarei ousando dizer que a digitalização é, na verdade, uma artificialização na maneira de tratar os fenômenos físicos da Natureza e com a qual teremos que conviver cada dia mais; pelo menos enquanto o modelo econômico baseado no consumo desenfreado não acabar com ela!
Voltando ao “digital”, tentarei explicar da forma mais simples possível o que quero dizer com “artificialização dos fenômenos físicos”.
Sob o ponto de vista da eletrônica toda a informação a ser processada, quer seja uma variação de temperatura ou um som, por exemplo, é interpretada como sinal analógico em relação ao tempo.
Mas o que é afinal um sinal analógico?
Podemos dizer que um sinal analógico é, basicamente, um sinal contínuo, sem interrupções, que varia em relação ao tempo. (não confundir com “corrente” contínua).
Já os sinais digitais são descontínuos porque são formados por degraus de tensão ou corrente como mostrado na figura a seguir.
Uma onda quadrada é um sinal descontínuo e, portanto um sinal digital.
Entretanto, matematicamente pode se provar que um sinal como uma onda quadrada pode ser decomposto em uma quantidade infinita de senóides de amplitudes e frequências diferentes.
Esta decomposição é conhecida como Série de Fourier, mas não se preocupe, pois não entrarei aqui nestes detalhes “sórdidos” da matemática.
Em outras palavras, todos os sons que nós ouvimos (e o que não ouvimos também) no final das contas são formados por um montão de senóides.
Para quem não “lembra” senóide é a representação gráfica da função seno e fique você sabendo que a Natureza ama a senóide, até porque a Natureza não é descontínua.
Por exemplo, a eletricidade que recebemos nas tomadas de nossas casas, produzidas por turbinas eletro mecânicas, tem a forma senoidal igualzinha a uma nota sonora fundamental produzida quer por uma flauta, um violão, um piano ou um grito. Tudo é senoidal!
Estes são apenas alguns exemplos para mostrar que a senóide está presente em toda parte e é por isso que eu digo que a Natureza “ama” a senóide.
Descontinuidade é, a meu ver, a melhor palavra para expressar o que é um sinal digital.
Então, como já vimos o som é analógico e não digital e, portanto, precisaremos arranjar uma “fórmula” para conviver com os dois conceitos, o “verdadeiro” (senoidal) e o “artificial” (digital).
O primeiro passo será “transformar” o sinal analógico em digital (o verdadeiro no falso).
Para fazer isso se utiliza um circuito chamado PWM que é a sigla de Modulação por Largura de Pulso, sobre o qual não irei me aprofundar aqui neste momento.
Por hora fica combinado assim: o PWM transformará um sinal analógico em digital.
Mas então, como pode um amplificador de áudio trabalhar com um sinal digital, que é um sinal de “mentirinha” (não senoidal), ser melhor que um amplificador tradicional ou analógico se todo som é puramente senoidal?
Talvez a pergunta não deva ser “melhor ou pior” e sim qual deles tem maior eficiência, ou seja, o maior percentual entre a potência fornecida pela fonte e a potência efetivamente aproveitada pelo o alto falante.
Quando alguém vai escolher um amplificador, geralmente, só se preocupa com a potência, mas existem outros fatores muito importantes a serem levados em conta e um deles é a eficiência.
Quando a eficiência de um amplificador (ou qualquer sistema) é baixa uma boa parte da energia fornecida pela fonte de alimentação se transforma em calor e não em som, e como não estamos pretendendo fazer um aquecedor e sim ouvir música é preciso repensar o projeto ou então, é melhor comprar um chuveiro elétrico!
Nos amplificadores analógicos de boa qualidade, a eficiência fica em torno dos 60% o que não é grandes coisas, mas é o que dá para conseguir.
Entretanto, num amplificador digital ou classe D pode-se chegar próximo dos 95% o que é de deixar qualquer fabricante de amplificadores com água na boca (e mais dinheiro no bolso).
No passado nunca houve muita preocupação com esta perda de energia, entretanto, hoje existem mais razões econômicas do que ecológicas que predominam sobre as razões técnicas e é ai que os amplificadores digitais saem ganhando.
Você deve estar pensando: – por que razões econômicas? O que a economia tem a ver com o áudio e a eletrônica?
Eu diria que tem tudo a ver.
O aumento de eficiência do amplificador nos levará à fontes e dissipadores de calor menores o que além de implicar na redução de tamanho implicará também na redução de peso e quando se reduzem estes dois parâmetros se reduz o custo com transportes, fator fundamental numa era em que quase tudo é fabricado na Ásia e levado para ser vendido em outras partes do mundo.
Agora que os economistas já encontraram a fórmula para reduzir os custos e aumentar o lucro das empresas (que é o que importa) os engenheiros que se virem para arranjar uma solução.
Antes de estudarmos como funciona um amplificador digital ou classe D vejamos como um sistema digital pode promover um aumento de eficiência quando lida com potências razoavelmente elevadas.
Faremos isso de uma maneira pouco usual, mas que ficará bem fácil para você entender.
Imagine uma lâmpada cuja resistência seja de 1ohm ligada a uma fonte DC de 12 volts como é mostrado na figura 1.
Neste caso a potência real dissipada na lâmpada será de 144 watts (lembre-se que P = V x I = 12 x 12 = 144).
Suponha agora que você deseje reduzir o brilho da lâmpada e use o método mais simples que é colocar um resistor em série com a mesma. Para facilitar as contas coloquemos um resistor de 1ohm como aparece na figura 2.
Neste caso a resistência total do circuito passa a ser de 2ohms e, portanto a
corrente, calculada pela Lei de Ohm, será 6A.
Como as duas resistências são iguais, os 12 V de tensão aplicados ao circuito irão se dividir igualmente entre o resistor e a lâmpada ficando 6V sobre o resistor em série e 6V sobre a lâmpada.
E assim, conseguimos reduzimos a potência na lâmpada para 36 watts, mas o “preço” que pagamos por isso foi ter 36 watts transformados em calor no resistor de 1ohm ligado em série e, portanto desperdiçados.
Transformemos nosso circuito numa “configuração digital” acrescentando uma chave liga-desliga entre a bateria e a lâmpada como aparece na figura 3.
Quando a chave é fechada a lâmpada recebe tensão e acende, já com a chave aberta, a tensão na lâmpada será zero e ela ficará apagada.
Mantendo o mesmo intervalo de tempo entre a chave aberta e a chave fechada, o valor médio de tensão aplicado sobre a lâmpada será de 6volt, portanto a potência na lâmpada também será de 36 watts, mas sem nenhuma perda de energia transformada em calor como ocorreu quando usamos o resistor da figura 2.
Está aí o princípio de um circuito digital. Simplesmente genial, não é mesmo?
Pois bem, acabamos de construir o modelo para um amplificador digital cuja eficiência é de 100%. Na prática a eficiência será um pouquinho menor porque nossa chave será feita com MOSFETS ou IGBTS que embora, hoje em dia, tenham parâmetros excelentes não chegam à perfeição de apresentar resistência infinita quando cortado e totalmente zero ohm quando conduzindo como no exemplo teórico da figura 3.
Mas pera aí, o som não é senoidal? Então como é que nós vamos fazer a nossa “chave” ficar abrindo e fechando com um sinal senoidal?
E tem mais, se mandarmos este sinal para um alto falante ele vai queimar rapidinho e o máximo que ouviremos, enquanto ele não queimar, serão estalinhos e não música como queríamos.
Como sair dessa?
Fácil. Basta transformar o sinal senoidal que vai entrar no amplificador num sinal digital, amplificá-lo “digitalmente” e depois converter o resultado novamente em senoidal para mandar para o alto falante e daí para os nossos ouvidos que “ainda” são analógicos.
A próxima pergunta é – e será que vale a pena toda essa confusão?
Fernando Pessoa diz que tudo vale a pena se alma não for pequena e embora do ponto de vista técnico eu tenha minhas dúvidas, sob a ótica da economia (esquece a poesia) com certeza vale a pena, pois como já vimos aumentaremos a eficiência do amplificador e diminuiremos drasticamente o seu peso e tamanho.
Vamos ao primeiro passo: Transformar um sinal analógico em digital ou voltando ao PWM
Um dos circuitos mais utilizados hoje em dia atende pela sigla de PWM, ou seja, Pulse Width Modulator que em bom português quer dizer Modulador por Largura de Pulso.
Modulação, como se sabe, é fazer um sinal de uma determinada faixa de frequência ser “transformado” num novo sinal com o auxílio de outro sinal de frequência maior que chamaremos de portadora.
Para cada maneira como esta “transformação” ocorre damos um nome específico à modulação como, por exemplo, Modulação em Amplitude (AM) e Modulação em Frequência (FM) só para citar as mais comuns.
Para Modulação por Largura de Pulso utilizaremos como portadora um onda triangular.
O sinal senoidal que desejamos digitalizar será aplicado à entrada negativa de um circuito comparador enquanto na entrada positiva aplicaremos uma onda triangular que servirá de portadora e na saída do comparador obtém-se o PWM que se vê na figura 4.
Agora levamos este sinal PWM, que é a “réplica” digital do sinal senoidal, ao circuito amplificador composto por dois MOSFETS que funcionarão como chaves digitais produzindo a potência desejada na carga como se vê na figura 5.
Tudo isso estaria ótimo se duas coisinhas acontecessem:
1) O alto falante pudesse ser excitado por um sinal digital como esse e, principalmente se…
2) Nossos ouvidos fossem digitais e pudessem ouvir um sinal deste tipo.
Mas nem tudo está perdido, lembram que eu disse que a Natureza ama a senóide.
Pois bem, lá pelos idos de 1822, o físico e matemático francês Jean-Baptiste Joseph Fourrier, que já mencionei lá atrás, ao fazer um estudo sobre a evolução da temperatura relacionou este fenômeno físico a equações trigonométricas onde temos, portanto senos e co-senos.
Nos seus estudos, Fourier provou matematicamente que qualquer forma de onda pode ser escrita como uma composição de senos e co-senos.
Entenderam agora porque eu disse que a Natureza ama a senóide?
Temperatura e som parecem não ter nada em comum, mas matematicamente Fourier nos deu a dica de que existe um elo que une os dois fenômenos, aparentemente distintos, e este elo é a função senoidal.
Este não é o único caso em que a senóide aparece quando estudamos um fenômeno físico, mas não vem ao caso seguir esta trilha no momento (preciso reprimir meu lado de professor de matemática).
De tudo isto, o que se conclui é que “dentro” do sinal digital amplificado da figura 5 existe “escondidinho” um monte de senóides (que tal fazer para o almoço um escondidinho de senóides? kkk).
Portanto, a questão é, se nós conseguirmos “extrair” as senóides que estão “escondidas” no sinal digital poderemos ouvir a nossa música predileta nos nossos ouvidos analógicos? Mãos a obra.
Podemos sim, basta colocar um filtro passa baixas, por exemplo, como mostrado na figura 6 entre a saída digital do amplificador e o alto falante e tudo se resolve (tá aí a receita de “escondidinho de senóides” para o seu almoço – filtro passa baixas!).
E assim, com toda esta “ginástica” da engenharia conseguimos chegar a um amplificador capaz de fornecer potências bastante elevadas e ter tamanho reduzido aliado a uma eficiência que chega aos 95%, ou seja, para o amplificador fornecer 100W ao alto falante basta que a fonte seja capaz de fornecer cerca de 105W onde apenas 5W serão perdidos em forma de calor.
Se você ainda não atentou para importância de um amplificador deste tipo, então pense em um televisor LCD bem fininho.
Agora me diga, onde colocar num televisor destes um transformador como aqueles usados nos amplificadores tradicionais?
Conclusão obvia, nos novos televisores daqui pra frente só vai dar amplificador classe D ou digital para usarmos numa linguagem que o leigo “entende”.
Novos tempos, novas tecnologias, novos desafios.
Se você pretende continuar ganhando a vida como técnico reparador, o caminho é a atualização constante.
Com este artigo pretendi apenas dar o pontapé inicial num assunto que ainda vai dar muito que falar (e que ouvir!).
Se você gostou deixe um comentário (se não gostou também).
Em breve teremos mais informações sobre amplificadores classe D ou digitais.
Aguardem vai ser emocionante e até sempre!
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