Cada macaco no seu galho: capacitores na linha de AC

Cada macaco no seu galho: capacitores na linha de AC

O circuito da fig.1 está presente hoje em dia ou deveria estar na maioria dos equipamentos eletrônicos como televisores e fontes de PC ou notebooks, só para citar alguns exemplos mais comuns.

Fig. 1 - Filtro de linha de uma fonte chaveada

Fig. 1 – Filtro de linha de uma fonte chaveada

Ele é o chamado filtro de linha (verdadeiro) e não aquelas “réguas de tomadas” que vendem por aí.

Fig.2 - Filtro de linha de uma fonte

Fig.2 – Filtro de linha de uma fonte

Sua função é suprimir ou pelo menos reduzir os ruídos indesejáveis que “viajam” pela rede elétrica e são prejudiciais não apenas ao equipamento, mas a própria rede.

Estes ruídos se dividem em dois tipos:

  • EMI – Interferência Eletromagnética e RFI 
  • Interferência por Radio Frequência.

O primeiro, na faixa de 150kHz a 30MHz “caminha” pelas trilhas e fios do circuito, enquanto o segundo se “espalha pelo ar”, pois fica entre 30MHz e 1GHz.

A turma da velha guarda de reparadores, se estiver lendo este post, deve lembrar das blindagens, quase sempre obrigatórias, nas primitivas fontes chaveadas dos saudosos vídeos cassetes que garantiram o sustento de muitos técnicos por vários anos.

Antes de analisar os componentes do filtro de linha da fig.1 e, em particular, os capacitores, que são o objeto deste artigo, quero que você preste atenção nos diversos triângulos com um ponto de exclamação que aparecem no circuito.

Você sabe o que eles significam?

Este símbolo é usado para indicar que se trata de componente crítico e que, portanto as especificações devem ser seguidas ao pé da letra quando for necessária a substituição no reparo do equipamento.

Agora foque seu olhar nos capacitores no circuito da fig.1 e note que uns estão identificados com “CX” e outros com “CY”. Você sabe qual a diferença entre o “tipo X” e o “tipo Y”, ou melhor, classe X e classe Y?

Se não sabe, então continue lendo e descobrirá.

Antes de continuar, mais uma perguntinha do jogo dos sete erros: qual a diferença entre a maneira que CX1 e CX2 estão ligados no circuito e CY3, CY4, CY5 e CY6?

Vai pensando que eu já volto.

Dois conceitos importantes:

            Ruído em Modo Comum e Ruído em Modo Diferencial

Quando se fala em EMI dois conceitos precisam ser entendidos para saber como a interferência se propaga e a partir daí qual a melhor maneira de eliminá-la ou pelo menos reduzi-la a níveis aceitáveis.

Comece analisando a fig. 3 que representa o que se chama de Ruído em Modo Comum (CMN = Common Mode Noise).

Fig.3 - Ruído em Modo Comum

Fig.3 – Ruído em Modo Comum

Antes de explicar como o CMN atua quero você olhe a fig.3 que trata do Ruído em Modo Diferencial (DMN = Differential Mode Noise) e pratique o bom e velho joguinho dos sete erros comparando as duas figuras.

Fig.4 - Ruído em Modo Diferencial

Fig.4 – Ruído em Modo Diferencial

Espero que você tenha tido infância (se não teve ainda dá tempo de ser feliz) e tenha notado que no DMN (fig.4) o ruído (noise) está “em série” com a fonte de sinal que nosso caso será a rede elétrica. Já na fig. 3 (CMN) o ruído está “trepado” na fonte de sinal e é desviado para a terra (chassis) através de capacitâncias distribuídas (aqueles “capacitores fantasmas” que entram no circuito sem ninguém colocá-los lá via fios ou trilhas do circuito impresso).

Já dá para concluir, com o que foi visto até aqui, que se são dois tipos de ruídos com atuações diferentes, então iremos precisar de dois métodos diferentes para “trucidá-los”. CX e CY estão chegando, aguarde e verá.

A fig.5 (um desenho simplificado da fig.1) mostra os componentes utilizados para eliminar ou reduzir cada um dos dois tipos de ruído e eis que surgem os capacitores denominados classe X e classe Y.

Fig.5 - Os capacitores X e Y no filtro de linha

Fig.5 – Os capacitores X e Y no filtro de linha

A diferença entre a maneira como estes capacitores são ligados é que os capacitores para redução do ruído diferencial (CX) são ligados entre as duas linhas de alimentação (fase-neutro, ou fase-fase), enquanto os que pretendem eliminar o ruído em modo comum (CY) são ligados entre cada linha de alimentação e o ground.

As especificações de CX e CY

Aqui é que começa verdadeiramente o objetivo deste post, ou seja, analisar o cuidado com as especificações destes capacitores.

Quando o técnico vai escolher um capacitor, via de regra, ele se preocupa com a tensão de trabalho do mesmo e a capacitância, é claro.

E quanto ao tipo de dielétrico, poliéster, polipropileno, policarbonato, teflon, cerâmico, etc. Você se preocupa?

Por que será que existem tantos tipos de dielétrico? Já parou para pensar nisto? Pois, deveria porque afinal, “cada macaco no seu galho” como diz o ditado.

Nos primórdios da eletrônica isso não era levado muito em conta, mas com a evolução da tecnologia começou-se a perceber que determinados dielétricos são mais eficientes e adequados do que outros, dependo da aplicação do capacitor.

E se usarmos o capacitor com o “dielétrico errado” funciona?

E aí que mora o perigo, provavelmente sim, só não se sabe as consequências a médio ou longo prazo.

No caso particular dos capacitores classe X e classe Y precisamos estar atentos ao fato de que eles estarão submetidos aos ruídos da rede elétrica que se manifestam como surtos e pulsos de alta tensão e que, portanto envolvem altos níveis de energia para os quais estes capacitores devem estar preparados.

Antes de prosseguir quero analisar com você a tabela da fig.6 que é um recorte da lista de peças denominada “safety parts” de um tv LCD.

Fig.6 - Especificação dos Capacitores X e Y

Fig.6 – Especificação dos Capacitores X e Y

Na primeira coluna observe que temos duas classes de capacitores, X-cap e Y-cap.

Na segunda coluna temos a relação de fabricantes sugeridos para estes capacitores e na terceira o código do capacitor de acordo com o fabricante escolhido. Na quarta coluna temos os valores de capacitância.

A penúltima coluna nos diz o padrão de segurança adotado e finalmente a última trás vários logos que provavelmente você já viu nas etiquetas dos aparelhos e sobre os quais falarei mais adiante.

Ainda sobre estes capacitores vale observar que eles são fabricados em algumas subcategorias ou subclasses como mostrado a seguir.

Os capacitores classe X se subdividem em X1, X2 e X3 com as seguintes especificações com relação a tensão de pico suportada:

X1 tensão de pico maior que 2500V e menor que 4000V

X2 – tensão de pico igual ou abaixo de 2500V (os mais comuns)

X3 – tensão de pico igual ou abaixo de 1200V

Para os classe Y temos quatro subclasses: Y1, Y2, Y3 e Y4 com as seguintes especificações:

Y1 – usados com tensões até 500VAC

Y2 – usados com tensões até 300VAC

Y3 – usados com tensões até 250VAC

Y4 – usados com tensões até 150VAC

Os padrões de segurança

Os padrões de segurança de componentes eletroeletrônicos são especificados mundialmente por algumas agências não governamentais que estabelecem as normas de testes que devem ser adotadas pela indústria em conformidade com as legislações de cada país.

Na tabela abaixo temos a relação das cinco principais agências e seus respectivos padrões de segurança. Agora você já sabe o que significam aqueles logos “estranhos” que aparecem nas etiquetas dos aparelhos bem como em alguns componentes.

Tabela de padrões de segurança

Tabela de padrões de segurança

Por que é preciso saber isto?

É pouco provável que você se depare com alguns destes capacitores defeituosos e precise substituí-los, mas é importante saber que capacitores “não são todos a mesma coisa” e foi por isso que resolvi incluir este assunto na série Cada macaco no seu galho.

E se precisar trocar, onde compra?

Fora do Brasil eu poderia lhe indicar algumas empresas como Mouser ou Farnell entre outras, mas por aqui acho difícil.

Vai ser mais fácil recorrer a alguma sucata, mas agora você já com o que se preocupar na hora da escolha e não vai trocar X por Y ou vice versa.

Gostou do artigo? Deixe seus comentários e divulgue para os seus colegas de profissão, não guarde para si o que você aprendeu. Compartilhe!

No próximo post da série tratarei dos capacitores em circuitos de áudio. Um tópico importante para quem se dedica a reparo ou restauração de equipamentos vintage para audiófilos que tem ouvidos exigentes.

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

33 Comentários

  1. João Luiz Rogenski

    Tenho notado que certos circuitos (a maioria) de eletrificação de cerca rural não utilizam este atributo e por isso queima facilmente.
    Nota se que para reduzir custos estes filtros contra transientes são excluidos de tais circuitos.

    • Paulo Brites

      Boa observação a sua, João Luiz.
      Seu comentário me trouxe a lembrança um fato que pode estar relacionado. Vale investigar
      Quando eu trabalhei na Fundação CECIERJ como técnico em eletrônica, começou-se a notar que os reatores eletrônicos das lâmpadas fluorescentes queimavam em poucos dias. Embora não fosse a minha área de atuação propus-me, junto com o “eletricista” a dar uma olhada na rede.
      Aparentemente não tinha nada errado examinando com os poucos instrumentos que tinha.
      Aposentei-me e nunca mais soube do assunto.
      Agora, ficou a pensar na “lebre” que você levantou.
      Acho que qualquer hora pesquisar sobre o tema e convido os leitores a contribuírem com suas observações.

  2. Renato B. Santiago

    Excelente artigo! Só precisa melhorar a resolução de algumas imagens. Mas realmente, muito bom!!!!

    • Paulo Brites

      As imagens são um problema quando são retiradas de circuitos.
      Obrigado pela participação.

  3. Aldori Sousa

    Parabéns ao conteúdo das fontes chaveadas. Foi indicado ao grupo de estudo de grupo rádio amador ARAF, tema desta semana . PU5ASO.

    • Paulo Brites

      Obrigado pela indicação

  4. jose mauricio do e santos

    Boa tarde paulo vc ta de parabens

    • Paulo Brites

      Obrigado José Maurício, nada melhor que “aplausos” pra quem se dedica a divulgar conhecimento.

  5. André Paiva

    Muito bom! parabéns pelos seus artigos, que são sempre muito bem explicados e carregados de muito bom humor! e obrigado, pois os grandes beneficiados somos nós leitores! Grande abraço!

    • Paulo Brites

      Obrigado André

  6. Xande

    Nesse artigo aprendi que no corpo de um capacitor pode conter mais informações que a carta de Pero Vaz de Caminha.

    • Paulo Brites

      Fora que está escondido que só se descobre com delação premiada !

    • Vagner Tessaro

      Na verdade não teve carta. Não existiu. Foi uma transmissão do py3aav, ventania de garibaldi RS com um rádio delta 310 é um receptor hammarlumd . Diz a lenda .

      • Paulo Brites

        Bem, se está se referindo a carta-testamentod suícídio do Getúlio ela está no Museu da República aqui no Rio de Janeiro.
        A biografia de Getulio Vargas escrita por Lira Neto explica de forma bem documentada estes fatos.
        Essa lenda da transmissão, parece que é mesmo uma “lenda”.

  7. Xande

    Com esse artigo aprendi que no corpo de um capacitor pode conter mais informações que a carta de Pero Vaz de Caminha.

    • Paulo Brites

      Ou na carta de despedida de Getúlio que bem poderia ser reescrita por alguns políticos do momento rsrsrsrs

  8. Rafael

    Espero que esse artigo Cada Macaco No Seu Galho,chegue aos resistores e aos capacitores eletroliticos.
    Esses componentes as vezes sao um tanto confuso com tantas especificaçoes.

    • Paulo Brites

      Olá Rafael
      Aqui no site já tem alguns artigos sobre eletrolíticos e sobre resistores que pode te ajudar. Sugiro que dê uma olhada
      Abraços

  9. Dailson Gonçalves Paixão

    Como sempre, muito interessante as suas dicas. Ainda mais em se tratando de capacitores que são o terror de muitos técnicos.

  10. Wladyslaw Jan

    Prezado Professor,
    No texto onde se lê “no CMN (fig.3) o ruído (noise) está “em série” com a fonte de sinal que nosso caso será a rede elétrica. Já na fig. 4 (DMN) o ruído está “trepado” na fonte de sinal e é desviado para a terra (chassis) através de capacitâncias distribuídas, o correto não seria “no DMN (fig.4) o ruído (noise) está “em série” com a fonte de sinal que nosso caso será a rede elétrica. Já na fig. 3 (CMN) o ruído está “trepado” na fonte de sinal e é desviado para a terra (chassis) através de capacitâncias distribuídas”?

    • Paulo Brites

      Olá Wlad
      Realmente o texto está trocado em relação as figuras Vou corrigir.
      Mais uma vez obrigado pelo seu trabalho de “revisor”
      Abraços

  11. Wladyslaw Jan

    Professor, no texto onde se lê “no CMN (fig.3) o ruído (noise) está “em série” com a fonte de sinal que nosso caso será a rede elétrica. Já na fig. 4 (DMN) o ruído está “trepado” na fonte de sinal e é desviado para a terra (chassis) através de capacitâncias distribuídas”, o correto não : “no DMN (fig.4) o ruído (noise) está “em série” com a fonte de sinal que nosso caso será a rede elétrica. Já na fig. 3 (CMN) o ruído está “trepado” na fonte de sinal e é desviado para a terra (chassis) através de capacitâncias distribuídas” ?

    • Paulo Brites

      Já respondi, vou corrigir

  12. João Paulo

    Professor, fui seu aluno no Liceu no Centro do RJ. Fiz um curso de Reparação de TV(Microcontrolada), mesmo já sendo formado Técnico em Eletrônica e trabalhando na época com manutenção de Áudio, Telefone sem Fio e Fax.
    Hoje, estou cursando o 8° Período de Engenharia Elétrica e o 2° Período de Licenciatura em Física e posso afirmar que o senhor foi um dos melhores professores que já tive. Obrigado por passar tantos conhecimentos.

    • Paulo Brites

      Parabéns João pelo seu progresso e muito obrigado pelo seu depoimento

  13. Adauto

    Excelente artigo professor, informações muito úteis para quem trabalha com reparação, principalmente hoje em dia onde quase tudo usa fonte chaveada e componentes que eram simples ficaram críticos e precisam ser analisados com cuidado. Muito bom, abraços…

    • Paulo Brites

      Com certeza Adauto Como dizia Einstein “novos problemas exigem novas soluções”

  14. Everaldo

    Muito bom este artigo

    • Paulo Brites

      Valeu Everaldo

  15. edvaldo garcia

    agradeço pelos email recebidos paulo brites continua ssim

    • Paulo Brites

      Obrigado pela participação Edvaldo

  16. Aparecido Pereira

    Gostei demais de seu artigo sobre CAPACITORES e sua importancia em cada tipo de projeto ( circuito ) . Coisa que eu não sabia. seus comentarios sobre varios que eu ja li ou vi pelos diversos videos que vc postol são todos excelentes. Aprendi muito, pois sou iniciante em eletronica.
    Obrigado pelos videos postado.
    Um abraço
    Aparecido Pereira. ( Guarulhos – SP )

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