Entendendo as fontes sem transformador
Antes de entrar no assunto deste post devo uma explicação aos meus leitores sobre o meu sumiço aqui no blog, afinal, como disse o Pequeno Príncipe – “somos responsáveis pelas pessoas que cativamos”.
A explicação é simples, muito trabalho!
Dediquei um bom tempo a um novo e-book que já está à venda Testando Componentes Eletrônicos.
A pesquisa e preparação das aulas do Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites bem como responder aos alunos também toma tempo.
E, no momento, estou trabalhando num novo e-book sobre eletrônica digital e, às vezes, é preciso dormir!
Agora sim, vamos às fontes sem transformador.
Acho que a primeira vez que ouvi falar, ou melhor, que li sobre Fontes de Alimentação Sem Transformador – FAST (transformerless AC to DC, em inglês) – foi na década de 80, se a memória, ou a vaga lembrança, não me falha.
A bem da verdade, pode-se dizer que elas já eram utilizadas, muito antes, nos rádios valvulados conhecidos como “rabo quente”, embora não fossem denominadas como FAST.
Só que naquela época a intenção não era conseguir obter uma tensão DC de valor bem menor que a obtida ao se retificar a “corrente” alternada da rede que é o objetivo das FAST.
O que se convencionou chamar de FAST são aquelas fontes em que se consegue obter tensões DC de valores bem abaixo do valor de pico de uma tensão alternada de 127V ou 220V após a retificação e filtragem.
Só para refrescar sua memória, a tensão DC sobre o capacitor de filtro de uma tensão AC retificada em meia onda é da ordem de 180V se a rede for de 127V, chegando a 310V no caso de redes de 220V.
Esse valor pode cair um pouquinho ou um poucão, dependendo da corrente consumida pela carga e da capacitância do capacitor de filtro.
Nenhum bicho de 7 cabeças fazer estas contas. Está tudo mastigadinho no meu e-book Eletrônica para Estudantes, hobistas & inventores e nas minhas aulas do Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites.
Como reduzir a tensão sobre o capacitor de filtro sem usar transformador
O método óbvio, que logo vem à mente de qualquer estudante de eletrônica, é colocar um resistor em série com o diodo retificador e a carga, formando um divisor de tensão.
Aliás, vale dizer para os novatos que este método foi muito usado no tempo das válvulas eletrônicas quando os diodos de “estado sólido”, ou melhor, os diodos de selênio, começaram a surgir para substituir a, quase onipresente, válvula retificadora 35W4 nos radinhos “rabo quente” da época.
Mas, isto é só um aperitivo sobre alguns artigos que ainda pretendo escrever sobre as minhas “queridas” válvulas. Por enquanto, já que falei em aperitivo, deixo os curiosos com água na boca.
O problema do divisor resistivo é o “tamanho” do resistor que vai entrar em série para produzir uma “brutal” queda de tensão de 127V ou 220V AC (ainda estamos antes do retificador) e obter 5 ou 9V DC sobre a carga, por exemplo.
Mesmo que a corrente na carga seja baixa, ainda assim a dissipação de potência, principalmente em R1, será grande, o que, além do aquecimento produzido, é um desperdício de energia impensável ainda mais em tempos de aquecimento global (que alguns manés dizem que é coisa de “comunista”!).
O ovo de Colombo das fontes sem Transformador
E se em vez de usar um divisor resistivo usássemos um divisor capacitivo como o da fig.3?
E é aqui que entra a boa e velha teoria que tem gente que diz não serve para nada.
Quando submetido a uma tensão alternada o capacitor apresenta o efeito conhecido como reatância capacitiva, que não deixa de ser uma “resistência” em série como a R1 do circuito da fig.2
Esta “resistência”, ou melhor, reatância capacitiva não dissipa potência real em watts e sim potência reativa em VARs (volt-amperes reativos) e não sentimos o aquecimento.
Mas, isso não interessa muito aqui. Tenho outros artigos no blog sobre este tema.
Uma fonte sem transformador básica
Vamos melhorar o circuito da figura 2 substituindo R1 por um capacitor (fig.3) e R2 por um diodo Zener e assim, atinge-se dois objetivos:
1) Elimina-se a dissipação de calor em R1
2) Estabiliza-se a tensão na carga no valor da tensão de Zener.
Vantagem e desvantagens desta fonte
Parece óbvio que a principal vantagem deste tipo de fonte é a extrema simplicidade de construí-la e o seu baixíssimo custo.
Entretanto, é preciso que se fique atento ao fato dela não ser isolada da rede e o usuário levar um baita choque no terminal negativo da carga dependendo como a fase e o neutro sejam ligados a ela, como acontecia nos rádios valvulados “rabo quente” que citei inicialmente.
Por outro, lado seu uso se limita a cargas de baixo consumo, geralmente, inferiores a 100mA, e que por se tratar de uma retificação de meia onda nos “oferece” um ripple relativamente alto.
Mesmo com as desvantagens citadas vou continuar estudando-as e acrescentando duas melhorias, como vemos na figura 5, incluindo os resistores R1 e R2.
O papel de R1 neste caso não é o mesmo que aparece na fig.1.
Sua finalidade aqui é reduzir a corrente carga em C, evitando centelhamento na tomada, toda vez que o circuito for energizado.
Quanto a R2, promove a descarrega de C quando o circuito for desligado.
Mais adiante veremos como calcular estes componentes, antes, porém precisamos ter uma “conversinha” sobre o capacitor C.
A qualidade deste capacitor é extremamente importante para integridade física do projeto por isso, é altamente recomendável usar um capacitor de poliéster Classe X2 e se você não sabe o que é CLIQUE AQUI para descobrir.
Começando a calcular os componentes
Começarei pelo R1 que é o mais simples.
Este resistor deve cumprir dois requisitos:
1) Ter um valor baixo a fim de não produzir dissipação de calor considerável durante o funcionamento do circuito.
2) Ter um valor “alto” suficiente para manter a corrente de curto (in rush current) na carga inicial de C dentro de um limite razoável e que não acarrete o desligamento do disjuntor da instalação elétrica.
Comecemos pelo valor máximo.
Suponhamos um disjuntor de 10A então, iniciemos admitindo aceitar uma in rush current igual a 5A numa rede de 127V RMS, ou seja, tensão de pico igual a 179V que é o pior momento.
A “irrevogável” Lei de Ohm nos dá aproximadamente 36ohms para R1.
Suponhamos que nossa fonte sem transformador vá alimentar uma carga constante que consome 10mA.
Logo a dissipação de potência em R1 será 0,036W ou 3,6mW o que é “aceitável” e mostra que podemos aumentar um pouco mais o valor de R1 para que a corrente de pico de carga de C seja ainda menor. Lembre-se que está corrente for muito alta irá produzir um faiscamento na tomada na hora que a fonte for ligada.
Manter a dissipação próximo a 0,5W ainda é aceitável sendo assim, neste caso, vamos fazer R1 = 470ohms para diminuir bastante a corrente in rush.
Quanto a R2 podemos usar 1Mohm como padrão pois, sua finalidade, como já foi explicado, é apenas descarregar C quando o circuito estiver desligado.
Passemos ao cálculo de C que é mais trabalhoso.
Você precisará das seguintes informações para começar:
1) Valor RMS da tensão da rede e frequência
2) Corrente máxima da carga
3) Tensão de alimentação da carga (tensão de Zener).
Iremos utilizar duas fórmulas. Com a primeira iremos calcular a impedância Z de R1 em série com C em função da corrente da corrente máxima na carga e da tensão de Zener.
Para rede de 127VRMS /60Hz
Para rede 220VRMS/60Hz
Vamos a um exemplo prático utilizando uma rede de 127V, Vz = 12V e Imax = 10mA. Fazendo as contas encontraremos Z= 5100 ohms.
A partir de Z podemos encontrar o valor da reatância capacitiva de C. Usando R1 = 470 ohms podemos fazer Z = XC = 5100 ohms uma vez que R1 e mais de 10 vezes menor que XC
Finalmente encontraremos o valor de C = 520nF (podemos usar 560nF que é um valor comercial).
Teríamos ainda que calcular o capacitor de filtro, entretanto não irei continuar com estes cálculos e passar a analisar mais uma melhoria nesta fonte.
Melhorando mais a fonte sem transformador
Uma pequena alteração pode tornar este tipo fonte um pouquinho melhor se utilizarmos uma ponte retificadora em vez de um único diodo como vemos na figura 6, ou seja, em vez de meia onda passamos a ter uma retificação de onda completa o que nos dará um ripple menor sobre a carga.
Para esta configuração teremos outras fórmulas para calcular a impedância Z e por consequência o capacitor C como mostramos a seguir.
Para rede de 127VRMS
Para rede de 220VRMS
Se calcularmos o valor do capacitor para as mesmas condições do exemplo com um único diodo encontraremos 260nF que é metade do valor anterior como podíamos ter “adivinhado”.
Considerações Finais
Este foi um artigo preliminar sobre este assunto um tanto controvertido, uma vez que existem prós e contras na utilização deste tipo de fonte.
Minha intenção, por ora, foi apresentar este tipo fonte que pode ser uma alternativa simples e barata para pequenos projetos se for utilizado com cuidado.
É possível que eu venha a escrever mais sobre ele no futuro a depender do interesse dos leitores.
Quem quiser se aprofundar mais CLIQUE AQUI e encontrará um bom trabalho (em inglês) no qual me apoiei, em parte, para fazer esta apresentação “simplificada”.
Comentários e sugestões são sempre bem-vindos.
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