No post anterior o Fernando José quando tratou da questão do armazenamento das PCIs mencionou que é importante se utilizar plásticos anti estáticos e esta observação dele provocou o gancho para o meu post desta semana.
Nele não há a pretensão de ser um tratado científico sobre o assunto. O objetivo aqui é divulgar o tema para meter medo em você.
Isso mesmo, meter medo e fazer com que você seja mais cuidadoso ao manusear os componentes e placas eletrônicas atuais.
ESD é a sigla, em inglês, para Eletro Static Discharge que, em bom tupiniquim, significa Descarga Eletrostática.
E daí? Você poderia perguntar: – qual a importância de saber isso?
Como tudo começou
Vamos nos reportar à Grécia, mais ou menos ao século VII antes de Cristo e a um sujeito chamado Thales que vivia na cidade de Mileto e por isso, ficou conhecido como Thales de Mileto.
Thales, que era um pensador e, portanto não gostava de assistir novelas nem o BBB. Passava o dia fazendo o que ele mais gostava: pensar!
De repente, Thales descobriu que esfregando âmbar, que é uma resina produzida por algumas árvores na sua roupa, feita de pele animal, o âmbar atraía pequenas sementes.
Ele certamente ficou intrigado com aquilo, mas morreu sem saber o porquê daquele “fenômeno”. Coisa do demo, diriam alguns.
O experimento do Thales pode ser repetido hoje de forma mais moderna.
Então, mãos à obra.
Pique alguns pedacinhos de papel bem miudinhos (eu disse bem miudinhos). Agora pegue um pente de plástico e aproxime-o dos pedacinhos de papel e talvez nada aconteça. Não desanime!
Pegue o mesmo pente esfregue-o bastante numa flanela ou em alguma roupa de lã (de preferência) e volte a aproximar o pente dos pedacinhos de papel.
Uau! Os papeizinhos foram atraídos pelo pente. Você acabou de reproduzir o experimento de Thales e “produzir” eletricidade.
Bem, este “tipo” de eletricidade não se parece muito com a que conhecemos hoje em dia e utilizamos nos nossos modernos equipamentos eletroeletrônicos, mas é a partir desta sacada do curioso Thales que tudo começa embora ele próprio não tenha passado além da observação do fenômeno como mera curiosidade.
Muito tempo depois….
Bem mais tarde, em 1600, é que o inglês William Gilbert introduziu o termo eletricity que é uma tradução para a palavra grega âmbar e por isso, Gilbert é o considerando o “pai da eletricidade” (ninguém sabe quem é a mãe!).
Gilbert (que também não assistia novelas, nem BBB) fez diversas experiências atritando vários materiais e concluiu que a capacidade de atração não era apenas do âmbar e que, às vezes, em vez de atração havia repulsão.
Criou então, o conceito de eletrização dos corpos, ou seja, determinados materiais quando atritados adquirem a propriedade de atrair outros corpos enquanto outros repelem.
Isto parecia sugerir que deveriam existir dois “tipos” de eletricidade: uma que atraia e outra que repelia.
Mais de 100 anos se passaram…
Por volta de 1730, o químico francês Charles Du Fay aprofundou os experimentos de Gilbert e introduziu o conceito de cargas elétricas para explicar o porquê dos dois “tipos” de “eletricidade” com propriedades diferentes: atração ou repulsão.
Du Fay conclui que uma aparecia nos corpos transparentes como o vidro e a outra nos corpos opacos como as resinas (âmbar).
Assim, Du Fay resolveu denominar o primeiro “tipo” de eletricidadevítrea e a outro de eletricidade resinosa.
Benjamim Franklin (1706-1790) também se interessou em estudar o fenômeno e preferiu denominar a eletricidade vítrea de positiva e a eletricidade resinosa de negativa. E foram estas denominações que vingaram.
Agora, estamos falando a linguagem atual, ou seja, cargas positivas e cargas negativas.
Mas, por que o pente atrai os pedacinhos de papel?
Em condições naturais os dois corpos (pente e papel) estão com as suas quantidades de cargas (positivas e negativas) equilibradas.
Ao atritar o pente “facilitamos” a saída de algumas de suas cargas para outro corpo (no nosso caso a flanela) e ao aproximar o pente do papel ele “pega” dele as cargas que ficaram na flanela.
Este fluxo de cargas produz uma corrente elétrica durante a transferência das cargas de um corpo para o outro.
Entra em cena a ESD – Descarga Eletrostática
E qual o perigo que esta “corrente elétrica” produzida pela eletricidade estática pode oferecer?
Você alguma fez já levou um choquinho ao tocar numa maçaneta de porta ou a subir num ônibus, por exemplo?
Se isso aconteceu com você significa que houve uma descarga eletrostática entre você e objeto metálico que você tocou, ou seja, uma corrente elétrica fluiu de um para o outro e é a corrente que dá há sensação do choque (não a tensão como alguns pensam).
Este tipo desconforto nem sempre acontece com todo mundo, pois algumas pessoas têm mais facilidade do que outras em se carregar eletricamente e também depende da roupa que está sendo usada e do ar ao seu redor; quanto mais seco pior.
Durante esta descarga, chamada eletrostática, uma corrente elétrica fluiu de um corpo para outro produzindo uma faísca que você não viu, mas ocorreu.
E não é só onde há fumaça que há fogo, onde há faísca também; basta que haja algum material inflamável por perto.
Você certamente deve estar querendo argumentar que nunca viu um CI ou uma PCI pegar fogo na mão de ninguém. Eu também não.
Mas, existe a parte “invisível” que está dentro dos CIs que são os fios que ligam suas “patinhas” externas ao semicondutor propriamente dito escondido dentro daquela “armadura” preta.
A espessura destes fios pode ser menor de que a de um fio de cabelo humano e, portanto cargas elétricas transferidas a eles pelas suas mãozinhas carregadas eletrostaticamente pode romper estes fios e você não vai ver. E aí, adeus CI!
Mais uma experiência
Proponho que você refaça a experiência do pente esfregando com flanela sacos plásticos comuns como bolsas de supermercados ou similares e verificando que também atraem os pedacinhos de papel.
Agora, repita a experiência usando sacos que vêm de fábrica embalando CIs ou PCIs. Alguns são um tipo de plástico cinza-azulado e mais duros, outros têm o símbolo anti ESD ou são tipo bolha, mas com uma coloração diferente.
Você vai observar que o fenômeno da atração dos papeizinhos não se repete.
E por quê?
A resposta é simples: – estes sacos são feitos de um plástico especial chamado antiestático e próprio para embalar semicondutores e as placas que os utilizam.
Uma historinha (triste) da minha vida
Em 1988 chegou ao mercado brasileiro, via Paraguai e Miami, o vídeo cassete da Panasonic PV4800.
Este aparelho era uma revolução no conceito de vídeo cassete desde a mecânica até a miniaturização eletrônica.
Para transcodificá-lo, ou seja, passar de NTSC para PAL-M precisava-se fazer uma intervenção numa pequena placa que continha um CI SMD. Uma novidade na época.
Pra não esticar muito a história, de repente eu vi quatro ou cinco vídeos pararem de funcionar na minha mão. A tal plaquinha de croma, como era chamada, não funcionava mais. O vídeo só reproduzia em preto e branco.
Ninguém sabia que plaquinha era aquela. Não tinha onde comprar nem aqui nem fora do Brasil. Desespero total.
Tive que comprar vídeos novos para tirar as plaquinhas.
Com medo de queimá-las outra vez recorri a um amigo para me ajudar e tentar descobrir o que eu estava fazendo errado.
Aparentemente ele fazia tudo do mesmo jeito que eu com uma única diferença (que eu percebi): ele utilizava uma estação de solda da Weller enquanto, eu utilizava um mini ferro de solda da Ener.
Mas, havia outra grande diferença que eu não tinha notado:- meu apartamento e o quartinho-oficina onde eu trabalhava eram acarpetados e na minha bancada havia um pedaço de carpete para não arranhar os aparelhos (tudo preparado para dar errado!).
Neste meio tempo, duas coisas aconteceram. Chegou minha estação de solda que eu havia encomendo dos Estados Unidos e reformei o apartamento retirando o carpete e colocando um piso tipo fórmica que estava na moda na época.
Misteriosamente, parei de queimar plaquinhas de croma.
Alguém saberia dizer onde estava o mistério?
Primeiro carpetes são ótimos “geradores” de eletricidade estática.
Além disso, ferros de solda comuns costumam “vazar” tensão da rede (20 V ou mais) para ponta a qual pode acabar indo parar nos semicondutores e destruí-los.
Na época (1988) eu (e quase ninguém) tinha consciência sobre os problemas causados pela ESD. A retirada do carpete não foi intencional, mas hoje eu estou convencido que foi solução do mistério.
Moral da história
À medida que a tecnologia avança e traz novas soluções também traz novos problemas.
Einstein dizia que “nenhum problema novo pode ser resolvidos com o mesmo modelo mental que o criou”.
Por isso, é importante estarmos sempre nos atualizando quer seja em cursos ou fóruns de discursão, pois cada vez descobrimos que o que sabemos é que nada sabemos (Sócrates).
A partir de agora espero que vocês, como eu, não acreditem nas bruxas, mas na ESD sim.
Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.
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