Medindo tensões e correntes
Medindo tensões e correntes
Nos primórdios da Eletrônica só existiam os multímetros analógicos popularmente chamados de “ponteiro” ou também conhecidos naquela época pela sigla VOM (Volt/Ohm Meter). Eu comecei com eles lá por 1965 medindo tensões, correntes e resistências nos equipamentos que reparava e que se resumiam a rádios valvulados.
Graças aos analógicos aprendi teórica e praticamente o que se estava realmente fazendo quando se media uma tensão, uma corrente ou uma resistência, fato que hoje parece ficar esquecido e não ser mais ensinado aos futuros profissionais. Aliás, muita coisa não é mais ensinada nem aprendida.
Julgo importante que o técnico saiba como funciona um multímetro e começar pelo analógico, a meu juízo, seria a melhor opção, entretanto o ensino “fast food” de hoje em dia não permite mais espaço para “pratos finos”.
Já que não dá pra aprender na escola, tenho tentado escrever meus artigos aqui no site objetivando alcançar àqueles que têm vontade de ir além.
Analógicos versus digitais
O método de medição de um analógico e um digital tem uma diferença conceitual básica: os analógicos são, por construção, medidores de corrente, enquanto os digitais são medidores de tensão.
Ficou confuso com esta afirmação?
Como assim, se é um voltímetro como é que ele mede corrente e se é um amperímetro como é que ele mede tensão?
Já vou explicar.
A corrente elétrica é uma consequência da tensão. Eu costumo brincar dizendo que a corrente elétrica fez um declaração de amor à tensão e disse “eu não existo sem você”.
Como funciona o “reloginho” (galvanômetro) dos analógicos
A tensão é “criada” por um gerador que pode ser uma bateria, por exemplo. Quando a tensão é aplicada a uma bobina ela produz uma corrente na bobina que por sua vez produz um campo magnético e este campo magnético varia de acordo com a intensidade da corrente que por sua vez depende do valor da tensão aplicada ou como se diz por aí, “uma coisa puxa a outra” (e dá-lhe lava jato!).
Entretanto, não podemos esquecer que uma bobina também possui uma resistência a qual vai interferir na intensidade da corrente que passa por ela.
Um analógico quando está medindo uma tensão, na verdade está medindo a intensidade de uma corrente produzida por uma determinada tensão.
Por outro lado o digital embora indique um valor em ampères ou miliampères em seu display, quando sua chave seletora está na posição de medir corrente, ele está na verdade medindo a queda de tensão desenvolvida pela corrente ao passar por um resistor, dentro do multímetro o qual é denominado shunt.
Esta queda de tensão é levada à entrada de um circuito comparador de tensão o qual levará os valores obtidos na sua saída para um conversor analógico digital.
Em última analise, pode se dizer que houve uma “conversão” de corrente em tensão.
O “coração” do multímetro analógico
Quem já teve a curiosidade, como eu, de desmontar um (ou vários) galvanômetro que é o coração de todo multímetro analógico, viu que ele é composto por uma bobina e um campo magnético.
Podemos encontrar dois tipos de galvanômetros: com bobina móvel ou com ferro móvel.
No caso de bobina móvel, que é o mais usado nos multímetros, o campo magnético é fixo e a bobina se movimenta dentro dele tendo presa a ela um ponteiro.
Estes instrumentos são mais caros, porém mais sensíveis sendo necessário, ou melhor, obrigatório obedecer à polaridade na alimentação da bobina. Apresentam boa precisão na leitura e a escalar é linear.
Obviamente que no ferro móvel a situação se inverte, ou seja, temos uma peça magnética onde está preso um ponteiro e é esta peça que se movimenta dentro de uma bobina.
Uma das principais características do galvanômetro ferro móvel é que não precisamos nos preocupar com a polaridade na hora fazermos uma corrente passar pela bobina, portanto estes instrumentos podem ser alimentados com AC ou DC indiferentemente.
As desvantagens é que não apresentam boa sensibilidade o que resulta em medidas menos precisas, além de que sua escala não é linear como nos de bobina móvel e sim quadrática.
Estes instrumentos, geralmente, são utilizados em painéis industriais.
Voltando aos analógicos
Vamos conversar um pouco mais sobre galvanômetros analógicos, mais precisamente sobre os de bobina móvel, embora eles sejam quase uma espécie em extinção.
Se você observar a foto onde é mostrada as “entranhas” de um instrumentos destes perceberá que a bobina é bem pequena e feita de fio bem fino o que significa que ela deve suportar uma corrente bem pequena.
E quanto menor esta corrente melhor será a qualidade, ou sensibilidade, do instrumento.
O galvanômetro do clássico Sanwa 320X, por exemplo, suporta apenas, 20µA o que faz dele um dos melhores instrumentos da categoria.
Mas como um instrumento que suporta uma corrente tão pequena poderá medir corrente e tensões mais altas?
Aqui vamos separar a questão em duas partes. Primeiro analisaremos a medição da corrente, depois a tensão.
Medindo corrente com um amperímetro analógico
Para fazer com que o instrumento possa medir correntes maiores que sua bobina suporta, usamos o artifício de colocar uma resistência em paralelo com o galvanômetro como vemos na figura.
A corrente chegará à carga passando por dois caminhos, uma parte passará pelo amperímetro e outra pelo shunt que está em paralelo com ele.
Calcula-se o valor do shunt de modo que pelo amperímetro passe no máximo a corrente que ele suporta e o restante passe pelo shunt.
Por exemplo, se que queremos medir 100mA e nosso amperímetro suporta no máximo 50µA temos que calcular o shunt de modo que por ele passe 99,95mA.
Já deu para perceber o grau de precisão necessário para o resistor shunt, não é mesmo?
Medindo tensão com um amperímetro analógico
É bom saber primeiro qual a resistência ôhmica do nosso amperímetro.
Em princípio poderia se pensar que bastaria medir a resistência ôhmica da bobina, mas esta não é melhor maneira.
O que devemos fazer é aplicar uma tensão variável aos terminais do amperímetro e ajustar o valor desta tensão até obter a deflexão máxima do ponteiro que costuma ser chamada de fundo de escala e depois medimos com um bom voltímetro, de preferência digital, o valor desta tensão.
Dividindo-se esta tensão pelo valor da corrente de fundo de escala descobrimos o valor da resistência do nosso amperímetro.
É claro que esta tensão deve ser bem baixa, então a sugestão é usar pilha de 1,5V em série com um potenciômetro que pode começar com um valor como 10KΩ.
Agora que sabemos a tensão nos terminais do nosso amperímetro que é capaz de produzir a deflexão máxima ou fundo de escala, bem como a resistência da bobina podemos construir nosso voltímetro com o circuito mostrado abaixo que consiste em colocar uma resistência em série com ele.
Esta resistência deve ser calculada de modo que a corrente de fundo de escala ao passar por ela produza uma queda de tensão tal que todo o “excesso” de tensão fique sobre ela.
Por exemplo, suponhamos que a corrente de fundo de escala de nosso amperímetro seja 1mA e que a resistência da bobina foi medida e nos forneceu 100Ω.
Se quisermos medir uma tensão de 100V sabemos que isto corresponde a uma resistência total de 100KΩ para produzir 1mA, logo o valor do resistor colocado em série com o amperímetro deverá ser de 99.900Ω.
Com este “truque” do resistor em série transformamos em voltímetro um instrumento que por construção só mede corrente, ou seja, um amperímetro “virou” voltímetro.
E se em vez de analógico tivermos um instrumento digital?
Como foi dito lá atrás o instrumento digital é um voltímetro por construção, então como podemos fazê-lo medir correntes?
Usando o truque de medir a queda de tensão sobre uma resistência de valor bem baixo colocada em série com o circuito cuja corrente queremos medir.
Nós não iremos colocar esta resistência, pois ela já está dentro do multímetro.
Quando colocamos a chave seletora na função amperímetro esta resistência já é automaticamente colocada em série e o instrumento mede a queda de tensão sobre ela, mas o display mostra um valor de corrente graças às contas que são feitas no chip do multímetro.
Transformando um voltímetro digital de painel num amperímetro
Instrumentos como o PM-438 se tornaram comuns atualmente e fáceis de ser comprados no Brasil pelo Mercado Livre.
Estes instrumentos são milivoltímetros, por construção, como todos os digitais.
O fundo de escala de todos eles é 199mV e para medir tensões maiores usa-se um divisor de tensão.
Mas o que está me interessando no momento é mostrar o que podemos fazer para medir correntes utilizando um instrumento deste tipo quando ele é aplicado a uma fonte de bancada, por exemplo.
O que se faz é colocar um resistor de valor ôhmico bem baixo como 0,1ohm, por exemplo, entre o negativo da fonte e um “novo terra” como mostra o diagrama abaixo.
Desta forma toda corrente da carga terá que passar pelo resistor que foi acrescentado.
É importante que este resistor tenha um valor bem baixo para que ele não produza uma queda de tensão acentuada na tensão de saída.
Há que haver um compromisso entre o valor do resistor e a corrente máxima que a fonte pode fornecer de modo que a queda de tensão sobre ele seja de 199mV. Devemos cuidar também da potência deste resistor.
Medindo a corrente
Para medir a corrente na carga utilizando um instrumento deste tipo faremos uso de uma chave de um polo duas posições como mostrado na figura.
Note que haverá um pequeno erro na leitura de tensão por causa da queda do resistor que foi colocado entre o terra “verdadeiro” da fonte e o terra que será utilizado e é por isso, que este resistor, chamado shunt, deve ter um valor bem baixo para que a queda tensão produzida nele seja desprezível.
O resistor shunt
Observe que quanto maior a corrente que se deseja medir menor deverá ser o valor da resistência do shunt, pois de acordo com a Lei de Ohm V = R x I, então se I aumenta R deve diminuir para que se mantenha o valor da queda tensão no shunt bem baixo (199mV).
Já reparei algumas fontes de slot car em que foi usado um resistor de 0,01ohm para 10watts que para uma corrente de 20A dá uma queda de 200mV.
Uma observação importantíssima é o que shunt deve ter resistência que seja submúltiplo da unidade para que o valor de tensão medido sobre ele seja numericamente igual a corrente.
Por exemplo, se usarmos 0,05ohms com 20A teremos 100mV no voltímetro, então precisaremos multiplicar a leitura por 2 o que nem sempre é muito prático.
Se você tiver interesse em se aprofundar sobre este tema sugiro a leitura do artigo Uma “nova” aplicação para o YB-VA27 que eu publiquei aqui no site.
Este instrumento incorpora duas escalas, uma para tensão e outra para corrente, mas é preciso saber como utilizá-lo e você entenderá isto lendo o artigo.
Finalmente para quem acha que teoria é só coisa para engenheiro eu contesto dizendo que teoria se for levada a sério evitará que as ciclovias caiam porque esqueceram que o mar existe e de vez em quando ele fica de ressaca (como muita gente)!
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