Multímetros Digitais Chineses – O Original, o OEM e o Fake
O título é uma paródia ao mais famoso filme do chamado Western Spaghetti, The Good, the Bad and the Ugly, de 1966, traduzido no Brasil como Três homens em conflito que, se você não assistiu, recomendo que assista pela magnifica trilha sonora de Ennio Morricone.
Mas, voltando aos Multímetros Digitais Chineses, o causo que vou contar agora começou quando um amigo, professor de física, me pediu para dar uma olhada no seu multímetro digital ZOYI®ZT-102A que, segundo ele, não ligou mais depois que as pilhas vazaram dentro dele após meses esquecido numa gaveta por conta da pandemia.
Na primeira olhada ele, o multímetro, até que parecia ser original ou, na melhor das hipóteses OEM a julgar pelo aspecto externo.
Cheguei a até a me entusiasmar e, quem sabe, sugeri-lo para meus alunos do Curso de Eletrônica Básica on line.
Mas como diz o ditado – quem vê cara, não vê coração e, às vezes, por fora bela viola, por dentro pão bolorento portanto, devagar com o andor que o santo é de barro!
Uma vez que mencionei OEM no título talvez valha a pena esclarecer, para quem não sabe, que OEM – Original Equipment Manufacturer – em linha gerais, são produtos produzidos pelo fabricante original e fornecidos a outros que os comercializam, mais baratos, com suas próprias marcas.
Há uma série de variáveis neste modelo de negócio que não vem ao caso analisar aqui e, muitas vezes, um produto OEM também tem uma boa qualidade.
A ideia não é nova, nem foi inventada pelos chineses.
Nos tempos dos vídeo cassetes tínhamos Philips por fora que eram JVC por dentro. Nada de mais, isso é OEM.
Tínhamos também alguns Panasonic made in Paraguai que eram Broksonic por dentro. Isso era fake!
A carinha bonita do ZOYI®ZT-102 você viu na fig.1 e com desenrolar da história descobri que este, comprado pelo meu amigo, não era nem original, nem OEM. Parecia estar mais para “fake”
Eu nunca tinha ouvido falar naquela marca mas, isso não vinha ao caso naquele momento, o que importava era descobrir qual o tamanho do estrago que o vazamento das pilhas poderia ter feito no Original ZOYI ou, no que eu acreditava, poderia ser um OEM.
Os terminais de contato das pilhas não apresentavam uma grande destruição e portanto, Jack – o Estripador precisaria entrar em ação para ver como estavam as coisas nas entranhas daquele multímetro digital chinês – Original, OEM ou fake.
Retirada a parte traseira do gabinete dava para ver que uma forte oxidação em algumas trilhas próximas dos terminais do soquete das duas pilhas AAA que se dirigiam ao micro controlador “plantado” diretamente na PCB, para ficar mais barato, passando por alguns microscópicos resistores SMD.
Acompanhe na fig.2 a área marcada pelo retângulo vermelho depois que eu fiz a limpeza do local.
Examinando minuciosamente com uma lupa e usando a escala de continuidade de outro multímetro conclui que não parecia haver nenhuma trilha ou resistor SMD danificado.
O que era, um bom e um mau sinal.
A primeira coisa que me veio a mente é que talvez o display, na verdade, não estivesse acendendo o que, às vezes, é confundido com o “não liga”.
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!
Retirei a PCB do gabinete para ver como estava a conexão entre o display LCD e a dita cuja.
Como eu já imaginava esta conexão era feita por uma barra de contatos, para ficar mais barato, como vemos na fig.3.
Fiquei feliz naquele momento pensando que uma limpeza na barra de contato, com um algodão embebido em álcool isopropílico, pudesse resolver a pendenga e meu amigo ficaria “de boa” novamente, como se diz atualmente, com seu multímetro digital.
No passado eu já havia resolvido, com este procedimento, alguns casos de displays de LCD falhando.
Muito bom para ser verdade, mas sempre vale a pena ser otimista porém, não era nosso dia de sorte e nem eu, nem meu amigo ficamos “de boa”.
Com mil demônios, como diziam antigamente os vilões dos desenhos “infantis”, o que poderia um vazamento de pilhas, que não havia destruído as trilhas da PCB, levar à morte, até aqui, um “Original ou OEM” multímetro digital?
# Partiu Internet, em busca de informações técnicas
Sempre prefiro começar as buscas em inglês com a expressão “review and tear down of ….” ou algo parecido, porque as chances são bem maiores de encontrar um gringo fazendo uma análise mais profunda, do que os vídeos de desencaixotamento que, regra geral, encontramos por aqui com o pomposo título de unboxing, para ganhar uns trocados com aquelas malditas propagandas durante o blábláblá.
Exceções existem é claro e mais adiante, veremos que até encontrei uma que me ajudou parcialmente.
Meia dúzia de buscas me levaram aos canais de Joe Smith, learnelectonic e Kery Wong entre outros.
Numa destas pesquisa descobri que o chip “plantado” na PCB era o DTM066 cujo data sheet você pode baixar CLICANDO AQUI.
E foi graças ao mapa da mina, o data sheet, que descobri quais eram os pinos de alimentação do chip o que poderia ser útil.
Original, OEM ou Fake?
Pesquisando no Aliexpress encontrei o “mesmo” multímetro sendo vendido por vários fornecedores e com preços bem diferentes.
Já ouviu falar no ditado “esmola demais o santo desconfia”?
Pois é, barato demais os mortais também!
Seguindo as pesquisas caí num artigo de Tim Yan onde tem uma lista dos 10 principais fabricantes de instrumentos na China e de outros países.
Veja a lista abaixo para a China.
Se você quiser saber mais como anda isso pelo mundo visite o blog de Tim Yan e verá as dez principais marcas/fabricantes de instrumentos em outros países.
Sem querer, eu havia saído do rumo da minha pesquisa cuja intenção era encontrar informações técnicas ou, sabe-se lá, com muita sorte um esquema do multímetro que eu estava tentando reparar e, até então, acreditava ser um ZOYI®ZT-102.
Eu não me conformava em não resolver um problema num multímetro que quase não tinha componentes externos ao micro controlador para complicar o reparo.
Os ventos nos mares da Internet levaram minha pesquisa ao canal de Joe Smith onde ele analisava um tal de KASUNTEST ZT102 e ANENG AN8002 e ambos como a mesma cara por fora do que eu tinha em mãos mas, com placas bem diferentes por dentro.
Comecei a suspeitar que o do meu amigo talvez não fosse nem original nem OEM e sim, um fake ZOYI ou, em bom português, um pirata.
Até onde eu sei os equipamentos OEM costumam mostrar em algum lugar da PCB a inscrição com o código do original.
Por exemplo, veja a fig. 5 onde temos a PCB do AN8002 indicando que ele é OEM do ZOYI.
Imediatamente fui ver como era a placa do “defunto” que estava na minha bancada e veja na fig.6 o que eu achei.
Como diz o ditado “mais depressa se pega um mentiroso do que um coxo” ou “mentira tem perna curta”, tanto faz.
Até aqui parece que eu já tinha pegado a mentira, faltava encontrar o mentiroso.
Dizem que Pedro Alvares Cabral queria ir para as “Índias” mas, o “GPS” não funcionou e, para azar dos indígenas que por aqui habitavam, Seu Cabral veio parar com suas caravelas aqui no Monte Pascoal, Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz e finalmente, BraZil que começou com Z e hoje está com S!
Mas, eu dei mais sorte que Cabral e fui parar no vídeo O “conserto” do Richmeters RM102Pro que para minha alegria era de um multímetro que tinha por fora e por dentro a cara do que eu estava a querer reparar, inclusive com a mesma inscrição na PCB: A-V.07.2019030.
Coincidências demais, não acha?
O defeito apresentado no vídeo era outro, fusível aberto, mas me serviu para mostrar o mentiroso e sua mentira.
Aliás, esse tal de Richmeters (ou seria POORmeters!) não aparece na relação de OEM.
E aí, consertou ou não?
O único esquema que eu tinha era do data sheet DTM0660 que eu supunha ser o que estava a ser usado no fake ZT102A.
Através dele pude descobrir que os pinos de alimentação eram 54 (Vss) e 56(VDD) e que não chegava alimentação neles.
Logo este parecia ser um motivo plausível para o bichinho não funcionar.
Entretanto, havia uma coisa que não batia.
No data sheet do DTM0660 ele menciona uma EEPROM externa para calibração que não existia na PCB do “pseudo” ZT102 que eu tinha em mãos.
Não havia nenhuma corrosão nos terminais da chave seletora e nos respectivos contatos da PCB, logo a hipótese “não liga” por mal contato estava completamente descartada.
Por outro lado, olhando atentamente a fig. 7 do AN8002 vemos uma EEPROM ao lado do chip.
Isto me levou a suspeitar que aquele fake ZOYI não usasse o DTM0660 e talvez os pinos 54 e 57, neste caso, não fossem a alimentação do micro controlador.
Olhando a Fig.8 que mostra a PCB do multímetro com defeito veremos dois pontos de teste marcados como VDD e VSS que vão para o micro controlador mas, não correspondem aos pinos 54 e 56.
O que corrobora a minha suspeita que este multímetro não usa o DTM0660 e por isso, não temos a EEPROM externa.
Respondendo à pergunta “consertou ou não”, por enquanto não e talvez não consiga nunca.
Minha suspeita é que o problema está no micro controlador e, se ela for verdadeira, jamais consertarei.
Mas, uma coisa ainda me tira o sono – por que um vazamento de pilhas iria danificar o chip?
Talvez Shakespeare tenha razão – Há mais coisas no céu e terra, Horácio, do que foram sonhadas na sua filosofia.
Como um bom Sherloquiano que sou, ainda não desisti deste causo “meu caro Watson”, e a luta continua, companheiro!
Ah! Ia me esquecendo, é assim que se conserta ou tenta consertar e não, perguntado por aí – meu multímetro não liga, o que pode ser?
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