Não comprem este transformador isolador
Recentemente recebi um e-mail de um aluno do Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites pedindo minha opinião sobre um transformador “isolador” que ele havia comprado há um tempo atrás lá no Nordeste onde residia na época.
Não vou citar o fabricante para evitar problemas, mas meu caro Watson, com espírito de Sherlock Holmes, como eu, ao observar as fotos que compõe este post, não será difícil encontrar o “assassino”.
É o famoso “gato escondido com rabo de fora”.
E já que falei em gatos, se você tiver um em casa, não o deixe cheirar o dito transformador “isolador”, pois ele, o gato, provavelmente irá jogar terra em cima.
Gatos não gostam de coisas que cheiram mal!
Vamos as primeiras observações
Para que eu pudesse emitir minha opinião “a distância” o aluno me enviou diversas fotos que irei destrinchando ao longo do post.
No primeiro momento já não gostei de algumas coisas que vi a começar pelo painel que vemos na fig.1.
A especificação da potência expressa em watts não condiz com um fabricante de transformadores que deveria saber que a potência neste caso deve ser expressa em volt-amperes (VA), embora outros fabricantes cometam o mesmo erro, mas eu não aceito.
Mal comparando seria como expressar a área de um terreno em “litros quadrados”.
Vale informar também ao fabricante que o valor oficial da rede elétrica no Brasil é 127V e não 110V como aparece na etiqueta.
Existem raríssimas exceções de cidades onde ainda é 115V, mas com 110V não encontrei nenhuma.
E aí fica a dúvida, se o enrolamento do transformador foi “calculado” para 110V ao receber 127V não vai dar muito certo.
Embora um detalhe menor, mas também não gostei do acabamento do furo retangular do interruptor. Não é, nem de longe, condizente com um produto de amador muito menos comercial.
Aliás, por falar neste interruptor, ele deveria ser duplo para desligar as duas linhas de alimentação.
Agora é que a coisa vai ficar feia
Quando você pensa que já viu tudo que é mal feito neste mundo, em termos de instalação elétrica e afins, vem um fabricante de transformador isolador (ou seria eletrocutador) e faz isso: – liga o neutro junto com o terceiro pino das tomadas do secundário o qual corresponde ao terra ou ground.
Vixe, ó chente como dizem os nossos irmãos nordestinos. Essa é demais meu cabra da peste!
Recomendo a todos e em especial a este fabricante de “cadeira elétrica” que leia “A eterna polêmica terra versus neutro”, aproveite para ler também a NBR 5410 e meu e-book “O que todas as pessoas precisam saber sobre Eletricidade”.
Calma que tem mais.
Uma olhada atenta na fig.2 nota-se que as tomadas pretas (“110V”) e vermelhas (220V) das saídas indicam que elas estão ligadas como um autotransformador.
Vejamos isso com mais detalhes nas figuras 3 e 4.
Para que fique nenhuma dúvida sobre estas ligações coloco a fig. 5 com um esquema de ligações de um autotransformador.
Cruz credo – que bagunça, homi!
Ao usar uma ou outra tomada teremos um segmento do enrolamento que ficará sem carga ou, não sei o que é pior, com cargas diferentes.
Se era para ter saídas com tensões diferentes os enrolamentos deveriam ser separados, mas mesmo assim não parece ser uma boa prática em transformadores de isolamento.
Pesquisei na Internet e não encontrei nenhum fabricante oferecendo este tipo de transformador isolador.
O filme de terror continua
Sem palavras. Bastariam as figuras.
Comecemos pela fig.6.
Isso mesmo que você está vendo. Aquele fio verde que corresponde ao terceiro pino (terra) que não é o neutro, foi devidamente cortado logo na entrada.
Inconformado com o que já tinha feito errado ele resolveu se superar e “isolou” o transformador do gabinete com um pedaço de papelão que ele deve ter achado no lixo.
Talvez ele tenha entendido que se é um transformador isolador então, deve ser isolado.
Sim, a principal função do transformador isolador é isolar a rede elétrica da carga, mas a própria estrutura do transformador deve estar em contato com o gabinete que o protege onde fio terra (aquele fio verde foi cortado) será conectado.
Mas, se a intenção era evitar que a vibração do transformador se propagasse pelo gabinete, colocar um pedaço de papelão embaixo certamente não irá ajudar em nada.
Como é um transformador de 1000VA, ou seja, uma potência razoavelmente alta que por consequência irá produzir uma boa quantidade de calor há uma chance de o papelão vir a pegar fogo.
O incendiário profissional ainda colocou mais uma ajudinha com o intuito de “isolar” os terminais das tomadas.
A fig. 7 vale mais que mil palavras!
Finalmente vamos falar dos “1000 watts”
Pelo menos neste quesito parece que o transformador foi realmente enrolado (eu não diria projetado) para fornecer 1000VA.
Uma maneira prática e rápida de se determinar a potência de um transformador é através da área de seção magnética onde as bobinas são enroladas.
A seção magnética será obtida dividindo-se a seção geométrica por 1,1 então precisamos descobrir a área da seção geométrica (a x b), em centímetros quadrados, da “perna” central do núcleo como vemos na fig.8.
Se o transformador for construído com laminadas padronizadas podemos encontrar os valores a e b medindo o transformador externamente como você acompanha na fig.9
.
Com estas medidas obtém-se a = 4,98cm e finalmente a área da seção geométrica nos dá 4,96 x 7,2 = 35,7cm2.
Mas, o que nos interessa para obter a potência e a área da seção magnética que neste caso será 32,46cm2.
Para calcular a potência utilizaremos a fórmula obtida no capítulo 2 do livro Transformadores de Alfonso Martignoni.
Wsec = 1,066 x (Sm)2
Wsec = 1,066 x 32,462 = 1123VA.
Neste quesito pelo menos o transformador, aparentemente, passou.
Entretanto, isto não garante que realmente entregue a potência indicada pois, seria necessário fazer testes com carga para ver como realmente vai se comportar.
Considerando o “conjunto da obra” tenho minhas dúvidas.
De qualquer maneira minha sugestão é: – não comprem este transformador.
Todos os dias muitas pessoas morrem por causa de choque elétrico e nem ficamos sabendo.
Os que aparecem nos noticiários são aqueles de maior repercussão e que não podem ser ignorados naquele momento. Depois caem no esquecimento.
Todas vemos incêndios provocados por problemas elétricos que os repórteres, desavisados, noticiam como “curto circuito”.
Curto circuito não põe fogo na casa.
O que põe fogo é descaso e falta de profissionais qualificados.
O que põe fogo são os “puxadinhos” de tomadas e instalações feitas por leigos e “pedricistas”.
O que põe fogo é o desconhecimento e/ou descumprimento as normas de segurança.
Eletricidade é coisa séria e pode matar se “brincarmos” com ela.
Pense nisso.
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