O mistério da reinstalação do display digital PM-438
O mistério da reinstalação do display digital PM-438
Para quem não sabe o display digital PM-438 que também é vendido na versão PM-428 (mais antiga, eu creio) e um milivoltímetro digital LCD pronto para ser usado em qualquer projeto.
Há uns quatro ou cinco anos venho utilizando o PM-438, em algumas fontes que montei, para servir de voltímetro e também de amperímetro.
No caso da aplicação como amperímetro precisamos usar um artificio, que nada mais que uma aplicação da Lei de Ohm como detalharei no decorrer do artigo.
A historinha que vou narrar neste post pode ser considerada como uma continuação do post Reparando uma Fonte de Slot Car sem esquema.
Naquele momento não relatei o fato que ora relato, pois achei irrelevante, mencionar que a fonte tinha outro problema além de não estar funcionando e que era o display (no caso um PM-438) também estar defeituoso não indicando nenhuma leitura.
Para mim este fato, como eu disse, era irrelevante, pois bastaria comprar outro e fazer a famosa “troca da peça” sem precisar esquentar a cabeça.
Estes displays já podem ser encontrados aqui no Brasil no Mercado Livre, por exemplo, e eu particularmente tenho desistido de comprar na China porque com a cotação do dólar/dilma não se sabe mais quanto iremos pagar no dia que chagar a fatura do cartão de credito.
Assim, pesquisando bastante na Internet consegui uma verdadeira pechincha. Cinco displays com frete e tudo sairiam por noventa reais. O vendedor tinha boa reputação e resolvi arriscar.
Alguns dias depois a encomenda chegou e eu fui feliz da vida substituir o bichinho para poder receber minha grana.
Era moleza (e é aí que mora o perigo como eu descobri depois) apenas soldar quatro fiozinhos e correr para o abraço.
O PM-438 precisa ser alimentado com fonte separada da tensão que vai ser medida. A alimentação do display pode ser entre 8 e 12VDC.
Como eu disse ele é um milivoltímetro com fundo de escala de 200mV. Para outros valores de tensão precisamos alterar os valores de RA e RB, bem como os jumps P1, P2 e P3 que ajustam a posição do ponto decimal como vemos na tabela abaixo que vem com o data sheet do display.
Vale enfatizar que dois cuidados precisam ser tomados na instalação do display. O primeiro e mais importante é que os “terras” da alimentação do display e da tensão a ser medida (ou corrente) precisam obrigatoriamente ser independentes e o segundo, obviamente, é prestar a atenção aos pontos da alimentação e da entrada de tensão a ser medida os quais estão marcados como “in” e “com” na PCI.
No meu caso em particular eu não precisava me preocupar muito com estes detalhes, pois se tratava de uma mera substituição. Era o que eu pensava até surgir o mistério da reinstalação do display digital PM-438 que originou mais este meu “conto da carochinha”.
Feita a substituição e ligada a fonte o que você acha que aconteceu?
Se você vai dizer que o display não funcionou significa que seus dotes de adivinho estão funcionando bem.
Isso mesmo o display acendia, mas a leitura ficava doidinha. Parecia um display bêbado e se fosse parado numa blitz da Lei Seca não passaria no teste do bafômetro.
Imediatamente o que você acha que eu pensei?
Adivinhou de novo! Pronto, cai no “conto do chinês”. Por isso estava muito barato. Santo quando vê muita esmola desconfia.
Muita calma nesta hora
Eu tinha mais quatro chances ainda para testar. Uma de duas: ou algum deles funcionaria ou não (como diria Caetano).
Antes, porém de xingar a mãe do chinês que fabricou aquela encrenca, resolvi dar uma boa conferida em tudo.
Vamos ao check list.
- RA = 10MΩ e RB=0. OK
- Jump. OK
- Alimentação do display proveniente da fonte para o display, 9V. OK e sem ripple.
- Amostra da tensão a ser medida para os pontos IN e COM do display. OK. Aqui vale a pena dar alguns detalhes. O fabricante da fonte montou o seguinte circuito:
É importante entender este circuito para poder avaliar se o display estava funcionando ou não.
O ponto marcado com “V” no esquema é uma amostra da tensão de saída que será enviada à entrada “in” do display e que deverá variar entre 0 e 200mV. Os resistores de 100kΩ e 100Ω formam um divisor de tensão com esta finalidade.
Voltando ao check list comprovei que havia tensão no ponto de união do e resistor de 100kΩ com 100Ω (que vai para a entrada “in” do display) e que esta tensão variava entre 0 e 16mV quando a tensão da fonte era variada de 0 a 16V
E o que é SH1, SH2 e SH3?
As iniciais SH na placa de circuito impresso da fonte “denunciavam” que deveria ser shunt.
Esse é o truque para medir a corrente que eu prometi lá atrás que iria detalhar, então vamos ao trabalho.
Os shunts, neste caso, são resistências de valor ôhmico extremamente baixo (mili ohms), de modo que a corrente na carga ao passar por eles não produzirá queda de tensão apreciável para a carga, entretanto esta queda, que será da ordem de milivlots, será proporcional a corrente que está sendo drenada pela carga.
Ao levarmos esta queda de tensão para o display ele lerá uma tensão que corresponde numericamente a corrente desde que o valor do shunt seja submúltiplos de 1.
Por exemplo, a corrente máxima na nossa fonte é de 20A e segundo a Lei de Ohms para obtermos 200mV com 20A devemos ter um shunt de 200mV/20 = 10 mili ohms = 0,01Ω.
Um técnico menos atento poderia pensar que aqueles três “aramezinhos” que aparecem em destaque na foto fossem meros jumps quando na verdade são pedaços de fio de níquel cromo com baixíssima resistência, ou seja, shunts.
Mas o que interessa mesmo aqui é que nenhum dos cinco displays funcionava para medir tensão nem corrente.
Conclusão, todos estavam com defeito.
Se você pensou isso e já está esbravejando e amaldiçoando todos os chineses do mundo peço-lhe que guarde sua a ira para outros momentos e continue lendo.
Pensando bem, esquece esse negócio de raiva que só faz mal a saúde e não leva a nada.
Resolvi que eu deveria manter a calma e testar os displays em outra fonte.
E nem foi preciso testar todos porque de cara o primeiro que eu peguei funcionou.
Há um ditado espanhol que diz mais ou menos assim “não acredito em bruxas, mas que elas existem tenho certeza que existem”.
Pelo que tudo indicava o ditado era verdadeiro eu tinha diante de mim uma bruxa digital (as bruxas modernas não usam mais vassouras).
Comecei literalmente uma verdadeira caça as bruxas para descobrir porque o display não funcionava naquela fonte, mas funcionava na outra.
Primeira coisa que me veio à cabeça há algum sinal de alta frequência vindo para alimentação do display e que está fazendo esta bagunça.
Muito bem, se for isto vai ser fácil descobrir bastará alimentar o display com uma fonte externa.
Mãos a obra. O que você acha que aconteceu?
Parabéns! Você está cada vez melhor neste negócio de adivinhação. Se o negócio de consertos anda mal, que tal ir trabalhar de mágico num circo, afinal a presisentA já fez a gente de palhaço mesmo!
A bruxa estava solta, mas não estava entrando pela alimentação do display.
Ah! Já sei algum ruído estranho chegando à entrada in do display. Quem sabe um capacitor cerâmico de uns 10nF nessa entrada mata ele.
Adivinhou de novo? Não funcionou.
Mas pera aí, eu estou me esquecendo de uma coisa o display anterior funcionou ali por muito tempo e só parou porque um dia tudo acaba mesmo.
Não vou estender mais este papo, mas só quero deixar registrado que fiz tudo que era possível incluindo promessas para todos os santos, banho de pipoca, sal grosso, galho arruda e nada funcionou.
Desistir jamais. Eu já tinha dito ao cliente que a fonte estava consertada e só faltava o display chegar para fazer a troca e terminar o serviço.
E agora, com que cara ia ficar? Eu sei consertar uma fonte chaveada complicada e sem esquema, mas não sei trocar display!
Resolvi que nestas horas é melhor “dar um tempo”, mas o problema e o que o meu tempo estava se esgotando.
Deixei a fonte de castigo na bancada e fui relaxar. Deitei no sofá e peguei um livro da Clarice Lispector para ler, Felicidade Clandestina, tudo a ver com displays de fonte de alimentação, não é mesmo!
Adormeci no sofá quando estava no meio da leitura do conto Legião Estrangeira do livro da Clarice.
De repente eu acordei com uma ideia.
Lembrei que eu tinha dois displays YB-27VA guardados para projetos futuros. Já escrevi sobre ele aqui no site.
Fui para a bancada correndo para ver se chegava antes da bruxa.
Instalei o YB-27 na fonte e … aposto que você não adivinhou desta vez. Funcionou!
Desiste do circo.
Valeu Clarice, que já morreu e lá do outro mundo me mandou uma inspiração.
E os cinco PM-438 que eu comprei? Bem, deixa pra lá. Uso em outros projetos.
Não acredito em bruxas, mas a partir de hoje tenho certeza que elas existem.
Até sempre.
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