Transformadores, gatos e lebres

Recentemente um aluno do Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites publicou um comentário num vídeo do meu canal sobre a uma maneira prática de determinar a potência (aproximada) de um transformador.

No comentário ele alegava que seus cálculos haviam mostrado resultados muito diferentes dos que eu apresentara no vídeo do artigo publicado na Revista Antenna.

Pedi-lhe então, que me enviasse por e-mail a memória dos seus cálculos para que eu pudesse analisar e dar uma resposta.

Tabela 1

Na tabela 1 eu mostro o resultado dos cálculos que ele me mandou.

Repare a coluna azul na tabela, onde aparecem as correntes calculadas com base na potência do secundário obtidas pela “engenharia reversa”. Aquelas correntes estão erradas, pois deveriam ter sido consideradas as tensões de ponta a ponta para encontrar a corrente no secundário.

Sendo assim, teríamos para T1, Isec = 147,5mA e para T2, Isec = 172,5mA e por conseguinte, as potências calculadas seriam respectivamente   18V x 147,5mA = 2,66VA (contra 3,6VA) e 15V x 0,145 = 2,59 VA (contra 4,5VA).

Percebemos que potências calculadas estão muito abaixo daquelas que os fabricantes informam (indiretamente) multiplicando tensão no secundário por corrente no secundário (3,6VA e 4,5VA).

E por que utilizei a tensão de ponta a ponta e não de cada metade?

Quando fizemos os cálculos utilizando as áreas SG e SM portanto, as que foram utilizadas para calcular o transformador, deve ter sido considerada a tensão que ele iria entregar no secundário “completo” e não em cada metade dele.

Mesmo assim, alguma coisa estava “estranha” e teria que ser investigada.

A teoria tem que bater com a prática. Se não bater precisamos descobrir onde está o erro. Não dá para negar a teoria. Ou provamos que ela está errada e construímos uma nova teoria ou algum erro foi cometido, nas contas ou nas medidas.

O que não dá é para “deixar pra lá” e sair negando a ciência, aliás tão na moda atualmente.

Teoria e prática

Resolvi então, pegar três transformadores diferentes do meu “estoque”, fazer os cálculos e compará-los com as medições práticas.

E foi aí que comecei a descobrir coisas surpreendentes, ou melhor, que estão nos vendendo muitos gatos por lebres.

Os três transformadores escolhidos por mim foram:

T1 = 7,5V + 7,5V – 200mA (Psec = 15V x 0,2A = 3VA)

T2 = 12V + 12V – 250mA (Psec 24V x 0,25A = 6VA)

T3 = 6V + 6V = 500mA (Psec = 12V x 0,5A = 6VA)

Na tabela 2 mostro os cálculos para cada um deles

Tabela 2

Olhando a tabela acima ficámos com a impressão, a princípio, de que, T3 é o único gato que mia os outros dois, na melhor das hipóteses, são “lebres ventríloquas”!

Vamos partir para a prática.

O procedimento será o mesmo que foi mostrado nos vídeos:

  • Usando um VARIAC ajustar a tensão para 127V (os três transformadores são para primário 127V.
  • Medir a tensão no secundário, ponta a ponta, sem carga.
  • Colocar um resistor de carga calculado para a corrente especificada pelo fabricante.
  • Medir a tensão no secundário com carga.
  • Medir a corrente no secundário com carga.

As tabelas 3, 4 e 5 a seguir mostrarão os resultados obtidos para cada transformador

Carga calculada para T1: 15V ÷ 200mA = 75ohms

Observe que ao colocar a carga a tensão de saída caiu para 11,25V (deveria ser 15V) e a corrente com a carga ficou em 150mA, obviamente menor que os 200mA.

Tabela 3

Esse gato não mia!

Carga calculada para T2: 24V ÷ 250mA = 96ohms

Tabela 4

Outro gato que cacareja!

Carga calculada para T3: 12V ÷ 500mA = 24ohms

Outro gato que fez piu-piu e esse enganou bem!

Tabela 6

E nenhum deles era gato chinês, todos “made in Brasil”

Finalmente, encontrei aqui na minha sucata um YL-48-240700B com as seguintes especificações (esse é chinês):

Primário: 120V

Secundário: 24V /700mA

Vamos aos cálculos na tabela 7

Tabela 7

Carga calculada: 24 ÷ 700mA = 34,5ohms

Esse, finalmente parece que não era gato e não miou nem em chinês!

Para mim, ficaram duas lições:

  • O barato sai caro.
  • Existem chineses e chineses, assim como também existem brasileiros e brasileiros.

Todos nós quando vamos comprar alguma coisa, geralmente, nos preocupamos mais com o preço do que com a qualidade e a procedência.

Isto não quer dizer que o mais caro é melhor e sim, que sempre precisamos estar com os olhos bem abertos para não comprarmos gatos e levarmos lebres!

Espreo ter sanado as dúvidas e o espaço para comentários está sempre aberto e é bem-vindo.

Quem tiver algo a contribuir não guarde para si, compartilhe com os outros.

Agora sim, este é o último post técnico de 2020!

Amanhá tem um post de final de ano, espero vocês!

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

6 Comentários

  1. JÁ tive um transformador que as chapas de ferro eram feitas com lata de oleo MAZZOLA, não sei como funcionavam, mas esta ai a honestidade das empresas.

    • Paulo Brites

      Provavelmente naquela época a soja ou milho não transgênicos ou lata era feita com ferro docê rsrsrs
      Quando a gente pensa que já viu de tudo nesta vida aparece uma novidade.
      Pena vc não ter mais ele para mandar uma foto e a gente poder fazer uns testes.

  2. cicero alvares da silva

    o professor calculou ta calculado eu nao vou discutir professor e professor kkk

    • Paulo Brites

      Oi, Cícero
      Se achou algum furo manda aí. Às vezes, digito errado na calculadora ou na hora de passar para o texto.
      Nunca acredite piamnente o objetivo é avançar no conhecimento.
      Você sabe quu sou aberto ao diálogo.
      Abraços

  3. José Renato Araújo Garcia

    Boa tarde Professor!
    Depreende-se então, que minhas duas lebrezinhas, compradas em sites brasileiros, são na verdade, dois gatinhos. Triste constatação!!!

    • Paulo Brites

      Gartinhos ou lebres?
      Eu nunca tinha parado para prestar a atenção nisto
      Lembrei que eu tenho um trafo perdido de supostos 5A que quando puxei uns 4 ele começou a esquentar e a tensão do secundário.
      Vou procurá-lo para fazer uns testes.
      Suas dúvidas foram ótimas, contribuiram para levantar uma questão pouco observada

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