Tudo que você precisa saber sobre o “método de quatro pontas” ou método de Kelvin
Se você estiver navegando pela Internet a procura de soluções para consertar telefones celulares certamente irá encontrar vários vídeos citando a “técnica de quatro pontas ou método de Kelvin” como sendo a “grande descoberta” do século XXI para detectar componentes em curto, como capacitores, diodos e bobinas, nestas minúsculas placas.
Raramente alguém explica como a “mágica” funciona e há até quem venda o “amuleto da sorte” pronto para usar.
Neste post mais um vídeo eu pretendo dizer tudo que você precisa saber sobre o “método de quatro pontas” ou método Kelvin.
Então, ‘bora aprender sempre!
O passado no presente
A técnica “revolucionária de hoje”, que aparece nos vídeos do you tube como “técnica de quatro pontas ou método de Kelvin”, surgiu em algum momento entre 1824 e 1904 nos experimentos do Físico, Matemático e Engenheiro britânico William Thomson mais conhecido como Lord Kelvin. O mesmo dos “graus Kelvin” da escala de temperatura.
Quem fez o ensino médio deve ter estudado uma técnica para medir resistências conhecida como Ponte Wheatstone.
Certamente seu professor se limitou a fazer alguns exercícios de substituir números numa fórmula que você deveria descorar porque iria cair na prova.
Você nunca soube qual seria a utilidade daquilo na sua vida (talvez o professor também não), a não ser não se ferrar na prova se não tivesse decorado a fórmula.
Entretanto, não deve ter ouvido falar na Ponte de Kelvin que é uma modificação da Ponte de Wheatstone que permite medir com boa acurácia (*) resistências de valores abaixo de 1ohm, por exemplo, as quais estão cada vez mais presentes nos circuitos eletrônicos atuais (há, pelo menos, uns dez anos!).
Pois bem, um componente em curto, seja ele um capacitor ou um diodo, apresenta uma resistência ôhmica que se aproxima de zero ohms. E aí que vai entrar a ponte de Kelvin que a “galera do you tube”, como dizem por aí, costuma chamar de “técnica de quatro pontas ou método de Kelvin”.
A pergunta que você deve estar querendo fazer é: – por que então não posso descobrir isso com a escala ôhmica ou aquela do “apitinho” do meu multímetro digital?
Em primeiro lugar é preciso que fique claro que nenhum multímetro, seja ele, analógico ou digital, mede diretamente resistência.
A resistência que o multímetro mostra no display ou no “ponteirinho” é o resultado da Lei de Ohm.
Em outras palavras, na verdade o que eles estão medindo é tensão.
No caso dos multímetros digitais (DMM = Digital Multi Meter) temos um gerador de corrente constante (I) cuja corrente faremos “passar” pela resistência (R) de valor desconhecido.
Acompanhe na fig.1
Sabemos pela Lei de Ohm que V = R x I ou R = V ÷ I.
Ou, como eu falo nas aulas do Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites: – “Quem Vê, Ri!” e assim, você nunca mais esquecerá a Lei de Ohm que vai “viver para sempre em sua vida” como diz a canção de Roberto Carlos.
Se o nosso gerador/fonte de corrente constante fornecer uma corrente unitária, digamos 1A, então o valor V que aparecerá no display será igual a R. Simples assim!
Tudo isso funcionaria muito bem se as resistências de contato no ponto de medição e/ou a resistência das ponteiras pudessem ser desprezadas, e todas elas somadas, fossem MUIIIITO MENORES que valor da R a ser medida.
A configuração da fig.2 é a usual dos DMM comuns e costuma ser denominada como “duas pontas”.
Entretanto, na prática, o DMM, provavelmente, não irá apresentar no display o valor mostrado na fig.2, nem mesmo se as ponteiras forem de EXCELENTE qualidade, ou seja, a resistência delas seja da ordem de alguns miliohms apenas e estejam em bom estado de conservação caso a resistência que está sendo medida seja muito baixinha.
Em outras palavras a leitura que aparecerá no display pode não ser “verdadeira”.
A ponte de Kelvin ou Medida a 4 fios
O truque para resolver este problema adotado por Lord Kelvin foi usar uma fonte de corrente constante separada como vemos na fig.3.
Repare que agora o valor da tensão lido pelo voltímetro (V) não irá mais depender da corrente que sai do gerador de corrente constante e irá passar pelo resistor que queremos medir.
Novamente, em outras palavras, uma “coisa” fica independente da outra.
Na verdade, iremos medir a tensão sobre o resistor e pela Lei de Ohm calcularemos o valor de R.
Entretanto, como já foi explicado acima, se utilizarmos 1 ampère para I, não será necessário fazer nenhuma conta, pois o valor de tensão que aparecerá no display será igual ao valor da resistência R que estamos a medir.
Por isso, este método é chamado “4 pontas” – duas para o gerador de corrente constante independente (I) e duas para o voltímetro, sendo que as quatro serão aplicadas simultaneamente sobre o resistor.
Existem multímetros top de linha que já trazem incorporada esta função “four-wire” como o mostrado na fig.4 e vêm com as ponteira de quatro pontas.
Caberá ao técnico optar pela função duas pontas ou quatro pontas dependendo do valor da resistência que quer medir.
A questão é que estes instrumentos estão fora do “tamanho do bolso” da maioria dos técnicos brasileiros uma vez que custam em torno de 1000 dólares ou mais, fora as “taxas”.
E aí vai entrar a criatividade do brasileiro para resolver o problema com o que tem na mão: uma fonte capaz de fornecer corrente constante e um multímetro digital comum de duas pontas.
Parando de sonhar e voltando à Terra (redonda)
Se você, assim como eu, não tem grana para comprar um instrumento como o da fig. 4, não fique triste.
Vou lhe mostrar a partir de agora como contornar o problema destrinchando os vídeos da “galera do you tube” como prometido.
Vou dividir a explicação em duas partes:
- Como detectar componentes em curto, geralmente SMD nas placas de circuitos.
- Como medir resistores de resistências inferiores a 10ohms com razoável acurácia.
Embora a solução seja a mesma para os dois casos, teremos que tomar alguns cuidados a mais para medir resistências de baixo valor ôhmico como veremos mais à frente.
Mas, é preciso deixar logo bem claro que a medição de resistências de baixo valor com este “aparelhinho” não dará uma resposta com a mesma acurácia de um instrumento de “mil e poucos dólares” como o da fig.4 entretanto, atende a maioria das situações enfrentadas pelos hobistas ou técnicos reparadores.
Montando a fonte de corrente constante
Você irá precisar de um regulador de tensão LM317, um resistor de 12,5ohms e uma fonte de, no máximo, 5volts.
Para fonte você poderá utilizar um recarregador de bateria de celular que, certamente, você deve ter uma meia dúzia deles perdidos nas gavetas da sua casa.
O circuito proposto é baseado no que vemos na fig.5 e a seguir explicarei como funciona.
A corrente de saída (Iout) irá depender APENAS do valor de R1 ligado entre o pino 1 (Adjust) e o pino 3 (VOUT) e será igual a 1,25V (tensão de referência do LM317) dividido por R1 como vemos na fórmula em destaque.
Escolhendo R1 igual a 12,5ohms a corrente de saída será igual a 100mA.
Optei por este valor por três razões.
A primeira é não correr o risco de danificar o componente onde a corrente vai ser aplicada.
A segunda é que não precisaremos utilizar dissipador de calor no LM317
E finalmente a terceira razão é que a grande maioria dos DMM’s tem escala de milivolts, assim se dividirmos por 100 a leitura obtida em milivolts teremos o valor da resistência em ohms.
E, convenhamos, não preciso ser nenhum gênio da matemática para dividir um número por 100, basta “andar duas casas” para esquerda como nos ensinou a “tia” lá no primário.
Por exemplo, se na escala de 200mV do DMM obtivermos uma leitura igual a 33mV significa que o valor de resistor é
33mV ÷ 100mV ou o mesmo que 33 ÷ 100 = 0,33ohms
pois, podemos “cortar” mili de um lado com mili do outro.
Mas é preciso estar atento que isto só poderá ser feito se garantirmos que a corrente de saída é exatamente 100mA e portanto, o valor de R1 é crítico.
Todavia, ele não será tão crítico se a intenção for apenas a detecção de componentes em curto. Voltarei a este assunto mais adiante.
Vamos tratar agora do valor da fonte de alimentação.
Se examinarmos atentamente a fórmula que aparece na fig.5 veremos que a corrente de saída não depende do valor de Vin.
Optei por usar 5volts, pois são fontes bem comuns e se fizermos alguma bobagem não corremos o risco de danificar nenhum componente da placa quando estivermos a pesquisar componentes em curto.
Há quem use bateria de celular porque o consumo só irá ocorrer durante a medida e mesmo assim, de apenas 100mA mantendo a bateria com carga por muito tempo.
Esta pode ser uma boa escolha, pois dará mais autonomia no manuseio do aparelhinho.
O miliohmímetro ou DMM de quatro pontas do técnico pobre
Na fig. 6 vemos o circuito completo do nosso “DMM de quatro pontas” cuja montagem será detalhada depois.
Construindo a ponteira de quatro pontas
O primeiro passo é escolher um par de ponteiras de boa qualidade, preferencialmente novas.
Talvez valha a pena utilizar ponteira tipo agulha como mostradas na fig. 7, pois irão facilitar no teste de componentes SMD nas placas.
Escolhendo as ponteiras
Uma boa escolha é usar ponteiras tipo agulha como mostradas na fig.7 pois, irão facilitar o teste de componentes SMD nas PCI.
Construindo as ponteiras de quatro pontas
Vamos preparar duas ponteiras de quatro pontas iguais a mostrada na fig. 8.
Preparemos uma outra ponteira preta que será ligada ao ponto B no circuito da fig. 6.
Qual DMM usar?
Pode-se usar qualquer DMM com escala de 200mV.
Ao usar instrumentos de escala automática a leitura pode demorar a aparecer dependendo do número de contagens que ele faz.
Aqui cabem duas observações:
- Se o objetivo for apenas a detecção de curto-circuito em componentes como capacitores ou diodos diretamente na placa, não precisamos nos preocupar muito quanto a exatidão na leitura que irá aparecer no display.
Não estamos preocupados com o valor absoluto da resistência e sim, queremos encontrar o menor valor comparativamente. Isto será mais bem detalhado no vídeo que acompanha este post.
- No caso da leitura de resistências de baixo valor ôhmico (miliohmímetro) é importante ter certeza que a escala de 200mV não esteja apresentando erro maior que a tolerância que o fabricante garante. É importante também ter certeza a fonte de corrente está gerando exatamente 100mA.
E agora é que o resistor R1 de 12,5ohms vai assumir um papel importante para garantir que a fonte de corrente forneça exatamente 100mA e assim, a leitura em milivolts corresponderá “automaticamente” ao valor da resistência em ohms.
Podemos conferir isso simplesmente ligando a alimentação do circuito, colocando o DMM na escala de 200mA (corrente) e verificar a leitura.
Se não indicar 100mA podemos ter dois motivos:
- O DMM está descalibrado
- O resistor R1 não está exatamente com 12,5ohms
Como eu disse pequenas variações neste caso não serão importantes se estamos apena querendo encontrar componentes em curto.
Montagem e testes
Na fig.9 temos a montagem do nosso miliohmiímetro de quatro pontas com os respectivos cabos conforme o circuito da fig. 6.
Você deve estar reparando que aparecem dois resistores em vez de um apenas como no esquema.
Como 12,5ohms não é um valor muito comum eu utilizei 6,8ohms em série com 5,6ohms o que dá 12,4ohms ficando bem mais próximo do valor calculado.
Melhor ainda seria utilizar resistores de 1% de tolerância e preferencialmente dois de 25ohms em paralelo.
Para ter certeza de que a nossa fonte de corrente constante está funcionando corretamente basta ligar a fonte de 5V (recarregador de celular, por exemplo) colocar os plugs preto e vermelho no DMM que deverá estar na escala de 200mA.
As ponteiras de teste ficam abertas.
Acompanhe na fig. 10.
Repare que a leitura foi de 100,2mA, not so bad, como dizem os gringos. Esta leitura irá variar um pouco dependendo do instrumento utilizado.
Descobrindo componente em curto
Um capacitor ou diodo em curto apresenta uma resistência ôhmica bastante baixa, geralmente, da ordem de miliohms.
Para descobrir um componente em curto numa PCI o primeiro passo será passar a chave seletora do nosso DMM para 200mV.
Neste momento não deverá aparecer nenhuma leitura no display se as ponteiras estiverem abertas.
A seguir vamos colocando as ponteiras nos terminais de cada componente suspeito até encontrar um que apresente a menor leitura no display.
Acompanhe a fig. 11.
Nesta plaquinha temos quatro diodos ligados em paralelo. Um deles está em curto e eu sei que é o D2. Vamos conferir.
Fiz a leitura em cada um deles e os resultados foram colocados na tabela abaixo.
O que importa aqui é perceber que quanto mais próximo do componente em curto, no caso D2, menor a leitura em milivolts, o que corresponde a menor resistência do componente e portanto, tudo indica que ele é o “criminoso”.
Medindo resistores de baixo valor
Escolhi um resistor de cinco faixas com as seguintes cores: preto – branco – branco – prata – verde.
De acordo com a tabela que você encontra CLICANDO AQUI a resistência ôhmica deste resistor é 0,99ohms +/- 0,5%.
A medida no miliohmímetro deu 99,8mV que corresponde a 99,8miliohms ou 0,998ohms.
Nada mal.
Espero que este post junto com o vídeo abaixo esclareça os mistérios sobre a medida de quatro pontas e que a partir de agora você saiba o que está fazendo e não apenas fazendo sem saber por que faz.
Aguardo seus comentários e até sempre!
(*) acurácia, às vezes, confundido com “precisão” até mesmo em manuais de instrumentos de alguns fabricantes, corresponde a exatidão e nos informa quanto o valor medido está mais próximo do valor “real” ou aceito como “verdadeiro”.
A precisão informa quantas medições repetidas pelo mesmo instrumento e nas mesmas condições estão mais próximas umas das outras por isso, também costuma ser chamada de “repetitividade”.
58 Comentários